quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

(Quase) monólogo.

"Alguns no meio daquela multidão espantada e comovida comentavam, como naquela manhã antiga, que essa menina - ah, essa mulher - precisava sair daqui. Deste planeta que, tão freqüentemente, parece não comportar a sensibilidade."
(Caio F. Abreu)



Deve doer ser sensível assim. Porque você vê tanta coisa, sente tanta coisa.
É intenso, é tudo. É TUDO INTENSO.
E a vida é muito cheia de coisas, de coisas pra ver, de coisas pra fazer, de coisas pra pensar, de coisas pra sentir, de coisas que valem a pena e de coisas que não valem, de pessoas pra conhecer, de amores pra cultivar, de amigos, de tudo. E a gente tem tão pouco tempo. E perde tanto tempo.
Eu fico com um samba do crioulo doido em mim pensando nessas coisas, eu queria ser mais passiva a isso tudo, sei lá, eu queria nem me revoltar muito, não.
Mas tem coisa que vem num turbilhão, e eu me pergunto se um dia vão querer compartilhar desse turbilhão comigo.
Se bem que cada um vê as coisas de um modo diferente, pode ser que nem tenha ninguém não.
Pode ser que cada um tenha as suas coisas e tal. A gente até compartilha, mas nunca inteiramente.
E eu tô mentindo, mentindo legal quando digo que queria ser mais passiva. "Eu gosto é do estrago".
E por mais que eu fique bem agoniada às vezes, ou aperreadinha do juízo, talvez isso seja até bom. Sei lá o que é bom o que não é, só sei que isso deve ser bom. Tomara que seja.
Eu queria compartilhar essas coisas avulsamente, assim, puf, jogar tudo pro mundo. Mas se nem eu aguento tudo que eu tenho pra dizer, acho que o mundo também não aguenta, não.
Se bem que eu falo como se eu tivesse muita coisa pra dizer, e nem é.
Aliás, sei lá se é. Não sei de nada.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Encontro

Caminhava apressada, tantos compromissos, os papéis reunidos na pasta apertada contra o peito, só não mais apertada do que o próprio coração. Ai, tanto por fazer, tinha sempre a impressão de que estava tudo pela metade. A rua movimentada, mas o local que tinha que ir era tão pertinho, decidiu ir andando - ah, se arrependimento matasse...
Não conseguia definir rostos, só passos e mais passos, alguns lentos que a irritavam, alguns rápidos demais que a irritavam mais ainda. Ia como quem não sente a vida, quem não pensa na ida, quem só quer chegar. Sim, chegar, era isso que ela queria até que, ai, não! Papéis espalhados voavam ao seu redor, espalhavam-se pelo chão, a moça também no chão pensava "céus, como sou desastrada!", e era mesmo, se não fosse, não estaria andando tão apressada, tão avoada, teria visto ao menos o buraco no qual prendera o pé, ah, como não vira aquilo? Dez minutos, dez minutos!
Então, olhou para cima, o que está feito, está feito, o jeito é correr mais pra chegar com o mínimo de atraso possível, até que, espere! Ah, ela não lembrava mais nem para onde ia, pois o reflexo do sol naqueles fios de cabelo ruivo a cegavam, mas era uma cegueira na qual ela permaneceria para sempre, se pudesse. Educado, ele a tomou pela mão, ainda a ajudou a arrumar alguns dos papéis teimosos que insistiam em fugir. Perguntou se ela estava bem, e ela quase respondeu "sim, nunca me senti tão bem na vida", mas limitou-se a confirmar com a cabeça, enquanto fingia organizar os papéis. E ele a olhava como quem vê um coração apertado, como se sentisse que aquela pressa toda tinha um motivo a mais, mas, para não parecer intrometido, nada disse, apenas ajudou aquela moça tão encantadoramente desastrada, tão bela, apesar de tão apressada.
Ela teria ficado a vida interia ali, esquecida de tudo o que tinha que fazer. Ele não largaria a mão dela jamais, se fosse dada a ele essa chance.
- Muito obrigada por me ajudar, mas estou com pressa, tenho que ir.
- Ah, por nada, não precisa agradecer.
E então ela foi, sabendo que jamais esqueceria aquela mão firme, mas delicada, e aqueles charmosos cabelos ruivos.
"E pela lei natural dos encontros
eu deixo e recebo um tanto"
Ele cantarolou baixinho.



- Você está atrasada, cinco minutos.
(ah, se você soubesse que ainda nem estou aqui, que acho que jamais estarei aqui, que meu lugar é ao lado do charmoso ruivo que deve estar em alguma rua por aí, e eu talvez jamais o veja novamente...)
- Desculpe, é que houve um contratempo.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A ponte

Estranho o modo como a olhavam. Uma moça e uma caixa, o que havia de errado? Direito de ir e vir é constitucional, ela pensa. Mas isso não importa, aliás, nesse momento, opiniões alheias pouco importam. O que importa é o que ela tem que fazer. O que ela vai fazer.
Famílias passam por ela, todos tão felizes, aproveitando o último dia de mais um ano em suas vidas. Crianças correm, pessoas se abraçam, aquele conhecido vira, por alguns instantes, um grande amigo. É como se por um dia todos fossem o que deveriam ser o ano inteiro: felizes, unidos. Ela acha tudo aquilo tão superficial. Não que seja desnecessário, mas, em alguns momentos, parece falso demais. Pra onde vai toda essa bondade no resto do ano? Ninguém sabe, ninguém viu.
Mas, tudo bem, isso não importava. Ela continuava a caminhar decidida, até chegar onde queria. Enfim, depois de areia, pedras e pessoas, ela estava só. Ou melhor, quase. Havia ainda um mundo de lembranças, pessoas, cheiros, cores, tudo ali, naquela caixa. Era seu ano, era uma parte dela.
Olhando para o mar, ela pensava: "por que raios estou fazendo isso?". Mas ela sabia, sabia que precisava soltar-se, libertar-se de certas lembranças - boas ou ruins. Estava presa a muito tempo a coisas que, talvez, não fossem necessárias. Por mais que alguns desses momentos tivessem sido bons, mas de nada isso adiantava, agora: eram só lembranças, e o presente mostrava que aquilo tudo fora apenas uma fase, que as pessoas podem enganar-se.
Ela achava o mar tão belo. E, nessa beleza, ela decidiu jogar tudo aquilo, para que o mar levasse para locais desconhecidos todos aqueles restos, restos do que ela havia sido, restos do que ela talvez ainda fosse.
Começou pelas fotos: ah, aquele dia foi tão bom, e aquela festa?, olha, eu sempre achei que ele estava lindo vestido daquele jeito, foi uma surpresa agradável, esse momento eu quero esquecer, dancei a noite toda... Uma a uma ela olhava, momentos eram revividos e, em seguida, a foto seguia para a imensidão azul que bailava diante de seus olhos.
Achou aquele papel de chocolate que há tanto tempo havia guardado - era especial, ora essa! Depois de um tempo percebeu que especiais eram os sentimentos, e eles não eram tão fáceis assim de se obter. Não eram um pedaço de papel colorido que a gente guarda em uma caixinha achando que tem algum significado.
Aqueles bilhetes, ah, os bilhetes! A luz fraca ainda a permitia ler um por um, e eles traziam consigo riso, choro, susto e decepção. Poucas palavras, muitas coisas ditas. Um "sim" ou um "não" podiam significar mais do que uma carta inteira.
Então ela viu que o mar era como a sua vida: as ondas carregavam sal e recordações. Era seu ano ali, flutuando leve na sua frente. Ela estava decidida a mudar. Sabia que livrar-se daqueles objetos não apagaria as lembranças que ela carregava, mas esperava que, ao desfazer-se de algumas coisas, teria um pouco de sua dor e de sua frustração levadas pelo mar.
Agora eram apenas ela, o mar, a lua e um mundo de possibilidades. Ouviu a contagem regressiva ao longe, e os fogos de artifício começaram a iluminar sua solidão. Nunca se sentira tão bem acompanhada, pra falar a verdade. Era só ela e o que ela quisesse, porque, agora, era um recomeço.
Sua essência, a mesma. Suas possibilidades, infinitas. Seus erros, outros. Suas alegrias, intensas. Suas tristezas, profundas. Sua leveza, indescritível.



P.S.: Feliz 2010!