quinta-feira, 29 de abril de 2010

(his)estória sobre a (lou)cura.

- Ai, mais um dia daqueles
- que dá vontade de mostrar pro mundo o quanto eu sou louca
- cansativos, muito sansativos. Se ao menos as pessoas
- pudessem entender que os monstros estão aqui. Já tentei de tudo para que
- vissem o quanto me esforço, o quanto sofro. Desse jeito, só espero...
- me desespero, aliás. Louca, isso que você é.
- E loucamente espero que algum dia você possa parar com isso. Pode parar com isso?
- Por que? Vontade de não se ver refletida no espelho dos próprios olhos ou apenas
- Orgulho, fere meu orgulho ver você falando assim. Até parece que estou mesmo
- L-O-U-C-A! Olha nesses olhos, vê ou só enxerga?
- Sai daqui, sai daqui. Transtorno bipolar, é o que dizem.
- Quem diz? Os médicos, os colegas, os outros? Tão loucos quanto.
- Mal sabem o quanto gasto com remédios, e prefiro que continuem sem saber.
- Mal sabes tu os monstros que eles guardam dentro daqueles sorrisos plásticos, cabelos macios e dentes impecáveis.
- Monstra, monstra, sai daqui. Componha-se, componha-se.
- Sabe, não sei quem é a mais louca de nós duas.
- Não sou louca. Não sou louca. Não sou louca.
- Já imaginou se ficam sabendo?
- Não há o que saber.
- Estou certa, de novo. Sabe, "aceita tua loucura antes que seja tarde demais".
- Li isso um dia. Besteira.
- Talvez, pra você, seja tarde demais. Não precisa mais aceitar a loucura. Ela já é parte de você, e nada pode ser feito.
- Onde está a porcaria da caixa.
- A caixa com a tarja preta, parece com a que está sobre seus olhos, sobre os olhos deles, sobre os olhos de todos.
- É cura.
- Loucura, eu diria.
- A mulher séria, compenetrada, amável e simpática.
- A mulher dissimulada, fingida, cínica e medrosa.
- Medo de que pensem besteira, que achem que descobriram algo.
- Medo de descobrir as besteiras que pensa.
- Bobagem, tudo isso.
- E nunca falou tão sério na vida.
- Estou louca.
- Estamos loucas.
- Estão loucos.
- Loucura é um estado em que nos encontramos perdidas.
- Não me entrego.
- Não precisa. Ela já te possui.
- Aí grito, meio louca, meio rouca, meu Deus, meu Deus, me salve de mim!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

(des)ato.

A vida, ultimamente, está que nem um teatro. Aliás, sempre é assim, eu sei, mas, por esses dias, anda tudo bem mais intenso (e tenso). As cortinas se abrem, a personagem entra, atua, sai, as cortinas fecham. As cortinas se abrem de novo, entra outra personagem, dá seu show, sai, as cortinas fecham. Depois, abrem-se de novo, mais uma personagem entra... E assim, eu, elas, nós vamos seguindo, nessa sucessão de abrir e fechar de cortinas de entrar e sair de personagens, todas eu, mas nenhuma eu plenamente. Partes do todo, cada uma se mostrando na sua hora.
Às vezes, mais de uma entra em cena, às vezes uma quer permanecer por mais tempo, outra não quer aparecer, e assim eu sigo sendo esse misto de todas, guardando uma por uma em mim, partes do que eu sou. Eu só queria, uma vez que fosse, conseguir fazer todas atuarem juntas, em perfeita harmonia, equilibrando o espetáculo, cada uma a seu (e a meu) modo. Mas, talvez, o meu espetáculo completo seja essa sucessão de atos que cada personagem apresenta, fazendo o teatro que eu, aos trancos, tento viver.

domingo, 11 de abril de 2010

11.04.2010

É estranho nossa vida ser um filme que só é visto na íntegra por um espectador. Acho que é porque há coisas que só esse espectador que pode ver, mesmo. Mas, ainda assim, é estranho pensar que toda hora passam por nós vários filmes, e que esses filmes cruzam os nossos, e que os nossos cruzam outros mais. No fim, tudo acaba formando um filme só. E desse grande filme, só a nossa parte é inteiramente nossa.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Subitamente

Ela, sentada em mais um ônibus dos milhões de ônibus do mundo, do universo, vivendo mais um dia daqueles milhões de dias de vida que já foram vividos por outras milhões de pessoas que já viveram, que viviam ou que iriam viver, ainda. Cabeça recostada na janela, ela existia, tentando viver. Será que vivia? Isso sempre a atormentava. Preferia dizer que existia em alguns momentos, vivia em outros, e naquele momento ela apenas existia. Mas ele a fez pensar que, naquele momento, vivia. Ele esperava, como todos fazem. Mas parecia não esperar apenas a condução que o levaria para casa, para a escola, para o trabalho, não, ele parecia esperar algo que o fizesse viver, mudar, ele que parecia esperar mais, bem mais, sabe-se lá de quê ou de quem. E ela o viu, ele, ali, parece que aquele local era realmente o ideal para encontrá-lo: se fosse em outro lugar, nunca o ar aparentemente desinteressado, alheio, sonhador, que seja, teria sido percebido pelos olhos da moça, olhos que agora brilhavam, cheios de vontade de serem notados por aqueles outros olhos que fitavam o infinito. "Vem cá, sobe nesse ônibus, senta aqui ao meu lado", ela quase disse. Desejava que ele subisse naquele mesmo ônibus, seria aquela linha que iria unir as linhas das vidas dos dois? Não sabia, apenas desejava que ele mostrasse a ela que tudo o que se passava por baixo daqueles cabelos castanhos, bagunçados por conta do vento, era verdade, que ele era realmente como ela pensava. Mas ele não ia subir, ela sabia. O garoto e seus cachos iriam ficar ali, esperando algo que não era ela. Teve, então, vontade de descer e dizer "entra na minha vida, nem que por cinco minutos". Sem que ela percebesse, ele já havia feito isso, já era parte dela, mesmo que desse jeito assim, solto, como quem não consegue se encaixar na banalidade que era aquele momento, aquilo tudo, aqueles pensamentos soltos da garota na janela.