sábado, 26 de fevereiro de 2011

"Ninguém devolverá teus anos, ninguém te fará voltar a ti mesmo. Uma vez principiada, a vida segue seu curso e não reverterá nem o interromperá, não se elevará, não te avisará de sua velocidade. Transcorrerá silenciosamente, não se prolongará por ordem de um rei, nem pelo apoio do povo. Correrá tal como foi impulsionada no primeiro dia, nunca desviará seu curso, nem o retardará. Que sucederá? Tu estás ocupado, e a vida se apressa; por sua vez virá a morte, à qual deverás te entregar, queiras ou não." Sêneca

Olhos cansados, mãos que seguram o peso de um corpo também cansado, no balanço que embala o seu corpo e o de mais uma legião de guerreiros, heróis, lutadores e anônimos em mais um ônibus desses que vão em vem por essas ruas de meu Deus. E a vida parece, naquele momento, resumir-se a aguentar de pé todo aquele cansaço, esperar pela velha poltrona que o aguarda e pela solidão que lhe é reservada naquele apartamento de alguns metros quadrados. Os olhos piscam vagarosamente, a cabeça pende para o lado, sendo amparada por aquele ombro desconhecido que, em um movimento rápido, o acorda assustado. No fundo da alma, pede apenas para estar bem, são e capaz de aguentar mais um, dois, infinitos dias de rotina. Pensa no céu, aquele céu que era seu quando menino, mas que há muito não contemplava por falta de coragem, sim, coragem de desviar o olhar da rotina que o sufocava cada vez mais. Naquela leve e rara brisa que toca seu rosto, sente escorregarem os minutos e os momentos que poderia estar vivendo, mas apenas existe. Existe como mais um número economicamente ativo (ainda bem, ativo!), como mais um par de ombros que ruma cansado para o fim do dia, observando daquela janela trincada restos de um pôr-do-sol que há muito ele não vê por inteiro.
Sua vez. Navega por entre aquele mar de gente, onde mãos, braços, pernas, tudo forma um osbtáculo que parece quase invencível para seu corpo magro. Enfim, para, agradece, desce. O coletivo segue seu rumo, levando outros como ele. Pensa em descansar por um minuto. Não anda mais depressa, quer aproveitar aquela pequena caminhada de cinco minutos até chegar ao lar de uma maneira única. Decidiu que hoje daria-se um presente: faria uma rota nova. Queria ver que surpresa a vida lhe guardava - se é que guardava alguma. O céu, pensou. Há quanto tempo não se permitia isso? Depois de alguns pensamentos soltos, ousou e descobriu que estava desacostumado a olhar para cima, sempre tão preso ao chão. Viu-se menino no colo do pai, que agora descansava entre as estrelas que ele amara e ensinara o filho a amar. Zé caminhava em passos lentos, embalado por memórias.
Sons, gritos, choro, tudo muito rápido, tudo muito intenso. Um homem corre em sua direção. Finge que não vê, mas não consegue manter-se alheio ao que acontece. A hora errada, o lugar errado, amigo - é a última frase que ouve antes de um estampido ensurdecedor. Ouve passos. Uma lágrima salgada desce pelo seu rosto, sente o vermelho quente molhar suas mãos. Ousa mais uma vez olhar para o céu, em busca daquela estrela que há alguns anos, quando ainda era menino e permitia-se sonhar, ele chamara de sua. "Achei". E os olhos de mais um Zé se fecham em meio ao barulho de uma cidade que dormirá mais vazia, vazia de um Zé que ousou olhar para o céu.