sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Ensaio.

Olhando em seus olhos, pareço mais frágil do que jamais fui. Começo de modo decidido, firme, e digo: te amo. Sim, te amo, por que o espanto? Tenho o direito de amar, também, mesmo que tenha escolhido amar errado. Escolhi um amar tão sofrido, tão descompassado, tão bobo, tão meu.
Começamos bem, éramos um par, sempre fomos. "Completa ela, e vice-versa, que nem feijão com arroz", era o que diziam. Sim, ainda somos um belo par, uma pena não termos rendido tudo o que esperavam de nós, talvez por isso esteja sendo assim: porque esperaram demais, porque esperamos demais. Expectativas geram frustrações. O que era natural foi se tornando rotina, e há uma diferença entre isso.
Nunca tinha reparado, mas seus olhos me trazem paz... E aqui me encontro, contemplando essa paz que me fita sem saber o que pensar, prefere calar, certo, fique calado, é melhor assim, não me interrompa, eu termino de falar num instante. Por que estou falando, afinal? Sei que meus olhos expressam o que quero dizer bem melhor do que minhas palavras, mas, talvez, esteja falando para que você se distraia e não veja que em meus olhos ainda há o brilho da esperança de ser sua, e só sua; de ter você para mim, assim, simples, quieto, meu, como um dia eu pensei que você fosse. Mas acho que você nunca foi, nunca quis ser.
Olhe, me perdoe, entendi tudo sempre errado demais, me frustrei por querer, assumo. Você não deve ter feito nada de extraordinário, mas que mania boba essa que eu tenho de fantasiar, deu no que deu. Agora estou aqui, olhando pra você, querendo apenas fechar os olhos, beijar seus lábios e fingir que estamos bem, que somos um. Mas não somos, cansei de fingir, cansei de sofrer. Mas quero que saiba que, pra você, sempre haverá espaço nesse coração. Que serei sempre sua: sua amiga, sua conselheira, sua querida, sua. E só sua.

Daí eu saio e fecho a porta sem olhar pra trás, como que virando uma página da minha vida, da nossa vida. Como que pondo um ponto final naquilo tudo. Não olho pra trás ou por estar decidida demais, ou por medo de me arrepender. Só saberia o porquê se olhasse, mas não o fiz. E aí, acabou.
Fechar a porta não foi só a porta da sala, foi a porta que eu um dia abri pra você. Aquela porta pela qual você entrou, mas pela qual insiste em não sair.

- E aí, o que achou?
- Pena que, na teoria, a coisa é tão mais fácil... Mas a cena vai ficar realmente bonita.
- Ah, a cena... É...

sábado, 19 de dezembro de 2009

Guarda-chuva azul.

Silêncio. Os olhares já não eram os mesmos de outrora, aqueles olhares fascinados com o começo de algo tão bom. Agora, os olhos pareciam aflitos, preocupados, como se alguma coisa tivesse que ser dita, mas nenhum dos dois tinha coragem para isso.
- Lembra que era ali que você estava naquele dia?
- E você apareceu na hora certa. Você e seu guarda-chuva azul.
Mais silêncio. Sim, eles lembravam de tudo. Lembravam que, a partir do momento que ele tentou protegê-la da chuva, passaria a protegê-la de tudo mais. A chuva era apenas o princípio, ele a protegeria de todo o mundo, se fosse possível.
- Seu perfume me agradou. E, desde aquele tempo, você nunca mudou.
- Você disse que gostava. Não mudei por isso.
Primeiro o perfume, depois o sorriso. Nessa ordem, necessariamente. Mas, agora, eram os olhos dele que a chamavam, porque pareciam preocupados. Ela também devia parecer preocupada, pois ele a interrogava com o olhar, ela sentia.
- Se você vai dizer, diga logo. Não aguento mais esperar.
Dizer, dizer o que? Ele havia feito uma promessa. Prometera que era com ela que iria estar pra sempre. Que estaria com ela em qualquer momento, que as chuvas que viessem a cair seriam barradas por aquele guarda-chuva azul.
- Sabe que eu sempre vou gostar de você. É que...
- Não é mais como era, eu sei.
Ela sabia. Não queriam mentir um para o outro. Pior: não conseguiam mais mentir um para o outro, doía até mesmo pensar em fazer isso. Seria desonesto se algum dos dois o fizesse. Mais silêncio.
- Então...
- Eu quis te levar nos braços, lembra? Você que não deixou.
- Claro, eu mal te conhecia.
- E seu pé quebrado? Você não podia andar naquela chuva toda daquele jeito...
- Mas andei.
Teimosa como sempre, ela. E ele admitia: achava um charme toda aquela teimosia e o modo como ela arqueava as sobrancelhas ao argumentar.
Mais e mais e mais silêncio. A garçonete ia e vinha com seus cafés, sucos, chás. O mundo passava, e eles ali. Os pés dele se movendo nervosamente, os dedos dela tamborilando na superfície da mesa.
- Eu...
- Sabe que gosto de você. Por favor, nunca me deixe.
- ...nunca vou deixar você. Prometi, não foi?
- Mas tudo parece tão diferente agora. Você parece estar aqui mais por obrigação do que por vontade.
- Eu nunca faria isso, e você sabe. Seria te magoar ainda mais, coisa que eu jamais faria.
- É que...
- Vem.
O dinheiro ficou em cima da mesa - e a garçonete achou muito generosa aquela gorjeta toda. A chuva começava a cair, fininha, leve. E o guarda-chuva azul ficou recostado na cadeira, esquecido. Hoje, eles queriam sentir a água lavar suas almas.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Et pluribus unum

"Assim: olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar de remar também.
Tá me entendendo? Eu sei que sim."
Caio Fernando Abreu


Impressionante como elegemos pessoas para os cargos que precisamos. Amigos para ouvir, amigos para abraçar, amores platônicos, pessoas para rir, pessoas para bem-querer, pessoas para mal-querer, enfim. E o mais interessante disso tudo é que são tantas as pessoas que temos pra escolher e, algumas vezes, escolhemos alguém sem nem saber por que motivo escolhemos. Et pluribus unum. E quando a gente escolhe, nem sempre a pessoa sabe que foi escolhida. É uma outorga, uma quase lei para nós, mas um fato desconhecido para nosso eleito, algumas vezes. Daí vem a nossa boa e velha amiga frustração. Porque, óbvio, nem todos estão aptos aos cargos que lhes designamos. Pior do que a inaptidão: muitos não querem mesmo o cargo. Sinto que se alguns de meus eleitos soubessem que, de alguma forma, têm um papel importante para mim, olhariam em meus olhos e diriam: "mas por que raios você me escolheu pra isso, sua louca?". Paciência. Melhor não deixar que eles saibam, seria estrago demais: pra mim e, talvez, para eles. Mas é divertido e patético tudo isso. Porque, por mais fortes e independentes que sejamos, sempre haverá algo que nos falta. Ninguém pode viver sozinho, isso é fato. Somos auto-suficientes, e nossa companhia nos basta, mas, será que nós queremos isso? Um alguém pra contar uma piada boba, ou um segredo antigo, ou uma novidade, é, sim, uma necessidade. Não que tenhamos que viver sempre cercados por pessoas, não é isso - até porque temos que estar a sós alguns momentos, pra nos encontrarmos de vez em quando. Mas que a vida seria quase insuportável sem nossos "eleitos", isso seria.





(Centésima postagem. Um daqueles pequenos feitos.)