quarta-feira, 1 de junho de 2011

Adeus

Um dia, um adeus
E eu indo embora
(Guilherme Arantes)


Você deve entender - e eu sei que irá - que eu preciso de mais. Mais que carros, ônibus, navios, aviões, espaçonaves, mais longe do que eles podem me levar. Preciso de asas, e acho que você sempre soube que um dia essa minha necessidade seria maior do que qualquer coisa e eu precisaria partir. Não sem dor, mas sem pesar. Partir deixando só a saudade que você saberia que havia de existir quando tentou me aprisionar. Não fique triste, seu aprisionamento nunca me foi doloroso: pelo contrário, contigo adquiri uma liberdade que eu não conhecia, uma liberdade que vem de fora pra dentro - foi o mais próximo do amor que eu consegui chegar, aquele amor com estrelas em volta e sentimentos transbordando. Fique feliz, fique bem, saiba que em meu coração tão inconstante há o seu espaço por direito. Mas não posso permitir que minhas asas te sufoquem, que nossa casa aos poucos pareça prisão para mim. Os finais deveriam sempre acontecer assim, antes que o que sempre foi tão bonito fique feio. Ruim é essa mania que a gente tem de prolongar as coisas boas até que elas começam a perder o brilho, o encanto, por pura incapacidade de deixá-las fluírem naturalmente. A vida e os acontecimentos são que nem rio: a gente pode represar em alguns pontos, mas, cedo ou tarde, alguma barragem acaba cedendo e a gente tem que deixar as coisas seguirem o rumo delas. As águas mudam para que outras águas possam vir, e assim tudo continua. Não me perca de você, me guarde sempre com carinho em algum lugar da sua memória e do seu coração, leve sempre com você aquele sorriso bonito que eu sempre disse que iluminava o sol, queira sempre ser feliz, fique sempre em paz e nunca perca aquela mania tão sua de ver tudo de um jeito inteiramente seu. Você é uma pessoa muito linda para ter que suportar qualquer sofrimento, por isso torna tudo tão lindo a sua volta. Se quiser me acompanhar, estarei voando por aí, talvez a gente não se encontre de verdade - digo, eu e você nos olhando frente a frente, buscando nos olhos do outro um pouco de nós mesmos - mas sempre que sonhar comigo, saiba que estarei sonhando contigo, também (acho que chamam isso de sintonia, e é isso que temos: uma sintonia ímpar). Nunca consegui me despedir de maneira satisfatória de ninguém, sempre sinto que nada que eu diga conseguirá expressar realmente o que eu estou sentindo, quero que saiba que você continuará existindo em mim, lembra dos álbuns de fotografia que falávamos que existem na mente de cada um? O meu álbum está repleto de fotos nossas, daqueles belíssimos momentos em que o mundo parecia virar nós dois. Mas nem isso consegue me prender mais. Aliás, penso que não é você quem está me deixando ir, mas sim eu que estou permitindo que suas asas cresçam. Sem mim, você irá conseguir descobrir muito mais de si do que imagina. Pela primeira vez, acho que é esse meu papel: permitir que as pessoas vejam nas minhas asas a capacidade que elas têm de ter as próprias asas. Se a vida nos reaproximar novamente, voaremos juntos. Hoje, no entanto, terei que alçar vôo sem companhia alguma - mais uma daquelas coisas de "auto-conhecimento" que tanto te falei. É, a viagem pode ser longa, mas eu vou com a certeza de que levo em mim tanta riqueza que, quem sabe, posso até voltar. Não me espere, não me procure: siga seu caminho e viva. Se nossos caminhos se cruzarem de novo, saberemos.

domingo, 15 de maio de 2011

Lições

Que a vida inteira é um grande aprendizado todos sabem, o que nem todo mundo sabe é que esse aprendizado não surge em momentos definidos, quando alguém decide, por bondade, por empenho ou por qualquer outro motivo, nos ensinar algo: não há nada que possa ser ensinado para quem não quer aprender, é como tentar fazer pérola sem grão de areia. Ninguém aprende vivendo a vida de outra pessoa, isso são só referências. A gente aprende no nosso sofrimento, nas nossas dúvidas, nos nossos anseios, nas nossas angústias.
Aprende que todo o tempo do mundo não é suficiente para estar com quem a gente gosta. Aprende que qualquer segundo parece ser eterno quando nos consome demais, quando é gasto em algo que não vale a pena. Aprende que de qualquer lugar pode surgir um sorriso, um dia bom, e que também de qualquer lugar pode vir algo que tira nosso humor. A gente também vai aprendendo que nem todo adeus é para sempre, mas que alguns "até logo" podem ser, e a gente nem sequer imagina isso na hora. A vida vai ensinando tudo isso para quem tem vontade de aprender, e nem todo mundo está disposto a isso.
Aos que estão dispostos, é ensinado que podemos ser mel ou fel na vida de uma pessoa, basta apenas um gesto ou uma palavra. É ensinado que não há tempo bom ou ruim, há situações e interpretações para as situações: bom para mim não quer dizer bom para você e vice-versa. Ensinam também que mágoas podem ser perdoadas, mas que raramente são esquecidas. O amor é coisa para todos, mas é como pássaro: tem que saber apreciar e tocar com cuidado, senão ele alça vôo e foge pra nunca mais. Assim como pássaro, não aguenta viver preso em gaiola: acaba ficando triste e morrendo. Melhor deixar solto e plantar uma árvore para ele fazer ninho e ficar o tempo que quiser.
Uma lição valiosa pra se aprender, também, é que o coração e a vida são como um jardim: tudo chega, mas o que fica é só o que a gente quer. A gente aduba bem o solo para receber o que vier de bom. Planta as sementes daquilo que quer que venha a florescer, vai regando sempre com cuidado para não encharcar - afinal, quem disse que cuidado é sempre benéfico? - e trata de arrancar as ervas daninhas que insistem em ficar no meio das flores. Poda com cuidado as árvores para que elas estejam sempre bonitas e prontas para frutificar. Deixa que as abelhas venham polinizar de coisas boas o nosso jardim, permite que levem um pouco dele para os outros jardins. Deixa os pássaros construirem ninhos e cantarem alegremente, fazendo do nosso jardim um lugar mais feliz.
A gente também aprende que não importa o quanto a gente quer as coisas: algumas simplesmente não são, é ter paciência e aceitar. Temos que aprender meio aos trancos que o mundo não é sempre um lugar bom, que decepções e frustrações estão aí e acontecem o tempo todo, no menor descuido lá vêm elas deixar aquele gosto amargo na nossa boca. Surpresas nem sempre são boas, mas nem todas são ruins, também. Estar pronto para se surpreender - bem ou mal - com as pessoas é essencial. Cada gesto conta, cada palavra marca, as ditas e as não ditas, também.
Mesmo que a gente tenha a vida inteira pra aprender tudo, parece pouco. É tanta coisa acontecendo que algumas, inevitavelmente, a gente deixa passar. Mas a principal lição, aquela que todo mundo deveria aprender é: é bonito viver e vale a pena. A vida, apesar de todos os pesares, é linda, está aí pra todo mundo e a gente faz dela o que bem quer. Resta saber: como cada um está cuidando do próprio jardim?

domingo, 8 de maio de 2011

Independência

Porque mesmo com todas as rasteiras que a vida lhe dava, com todas as frustrações que os acontecimentos traziam, com todas as decepções que as pessoas lhe causavam, ela sorria um sorriso leve e bonito, de uma orelha até a outra. Porque ser feliz e capaz de enfrentar a vida com leveza ultrapassa qualquer adversidade, ela havia aprendido aos poucos.

domingo, 27 de março de 2011

Abre parênteses

Tem tanta vida na vida que às vezes a gente até se assusta.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

"Ninguém devolverá teus anos, ninguém te fará voltar a ti mesmo. Uma vez principiada, a vida segue seu curso e não reverterá nem o interromperá, não se elevará, não te avisará de sua velocidade. Transcorrerá silenciosamente, não se prolongará por ordem de um rei, nem pelo apoio do povo. Correrá tal como foi impulsionada no primeiro dia, nunca desviará seu curso, nem o retardará. Que sucederá? Tu estás ocupado, e a vida se apressa; por sua vez virá a morte, à qual deverás te entregar, queiras ou não." Sêneca

Olhos cansados, mãos que seguram o peso de um corpo também cansado, no balanço que embala o seu corpo e o de mais uma legião de guerreiros, heróis, lutadores e anônimos em mais um ônibus desses que vão em vem por essas ruas de meu Deus. E a vida parece, naquele momento, resumir-se a aguentar de pé todo aquele cansaço, esperar pela velha poltrona que o aguarda e pela solidão que lhe é reservada naquele apartamento de alguns metros quadrados. Os olhos piscam vagarosamente, a cabeça pende para o lado, sendo amparada por aquele ombro desconhecido que, em um movimento rápido, o acorda assustado. No fundo da alma, pede apenas para estar bem, são e capaz de aguentar mais um, dois, infinitos dias de rotina. Pensa no céu, aquele céu que era seu quando menino, mas que há muito não contemplava por falta de coragem, sim, coragem de desviar o olhar da rotina que o sufocava cada vez mais. Naquela leve e rara brisa que toca seu rosto, sente escorregarem os minutos e os momentos que poderia estar vivendo, mas apenas existe. Existe como mais um número economicamente ativo (ainda bem, ativo!), como mais um par de ombros que ruma cansado para o fim do dia, observando daquela janela trincada restos de um pôr-do-sol que há muito ele não vê por inteiro.
Sua vez. Navega por entre aquele mar de gente, onde mãos, braços, pernas, tudo forma um osbtáculo que parece quase invencível para seu corpo magro. Enfim, para, agradece, desce. O coletivo segue seu rumo, levando outros como ele. Pensa em descansar por um minuto. Não anda mais depressa, quer aproveitar aquela pequena caminhada de cinco minutos até chegar ao lar de uma maneira única. Decidiu que hoje daria-se um presente: faria uma rota nova. Queria ver que surpresa a vida lhe guardava - se é que guardava alguma. O céu, pensou. Há quanto tempo não se permitia isso? Depois de alguns pensamentos soltos, ousou e descobriu que estava desacostumado a olhar para cima, sempre tão preso ao chão. Viu-se menino no colo do pai, que agora descansava entre as estrelas que ele amara e ensinara o filho a amar. Zé caminhava em passos lentos, embalado por memórias.
Sons, gritos, choro, tudo muito rápido, tudo muito intenso. Um homem corre em sua direção. Finge que não vê, mas não consegue manter-se alheio ao que acontece. A hora errada, o lugar errado, amigo - é a última frase que ouve antes de um estampido ensurdecedor. Ouve passos. Uma lágrima salgada desce pelo seu rosto, sente o vermelho quente molhar suas mãos. Ousa mais uma vez olhar para o céu, em busca daquela estrela que há alguns anos, quando ainda era menino e permitia-se sonhar, ele chamara de sua. "Achei". E os olhos de mais um Zé se fecham em meio ao barulho de uma cidade que dormirá mais vazia, vazia de um Zé que ousou olhar para o céu.