domingo, 10 de outubro de 2010

Últimas palavras

Daí ele olhou pra ela e perguntou assim, direto mesmo:
- Você se arrepende de alguma coisa?
- Só me arrependo do que não pensei em fazer. O que eu fiz está feito, o que eu não fiz passou. Ponto.
E mergulhou.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Nácar

As ondas iam, vinham, iam, vinham, iam, vinham, singelas, sorrateiras, simples, silenciosas, sussurrando segredos. Os pés marcavam a areia e a água apagava as pegadas recém deixadas - pudessem os erros serem apagados como as pegadas, que bom seria. Bom, fácil. Observava a imensidão de um céu azul cor de sonho, aquele azul limpo como os pensamentos de alguém livre. Além da maciez da areia fofa sob seus pés, sentia pequenos pontos de rigidez das pequenas conchas.
Os olhos agora estavam fixos naqueles pequenos pedaços que já foram casa, abrigo, proteção, mas agora divertiam crianças que buscam tesouros enviados por Netuno e pessoas que procuram distração. Sentou e começou a reunir, uma a uma, as conchas de que mais gostava. Talvez a vida inteira não passasse disso: escolher as conchas que mais se gosta. Do tipo de bolo aos amores. Ir procurando conchas que parecem interessantes: grandes, pequenas, brilhantes, redondas, lisas, coloridas, e tendo cuidado para ver antes que o mar as leve embora ou as enterre. Talvez as coisas sejam assim mesmo, talvez a gente vá pegando conchas até elas não caberem mais em nossas mãos e, um dia, alguma inevitavelmente cai e o mar leva. Ou enterra, quem sabe, e talvez nós voltemos a achar aquela conchinha novamente.
Pode ser que alguma concha em especial nos faça feliz. Pode ser que, por alguma distração, deixemos alguma concha imprescindível passar. Pode ser que tentemos pegar tantas conchas com as mãos que elas acabem sendo demais para carregar e nós tenhamos que deixar algumas para trás. Pensou em quantas conchas teria deixado cair, consciente ou inconscientemente. Será que havia escolhido as conchas certas para levar consigo? Será que o mar havia mesmo levado aquela concha ou ela estaria enterrada debaixo de seus pés, esperando pelo momento certo de ser redescoberta?
E o mar ia e vinha, ia e vinha, ia e vinha, trazendo e levando lembranças, pessoas, cores e sons de uma vida inteira de busca pelas conchas perfeitas.