segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ao final das contas

Distraída, caminhava simplesmente pela trivialidade que era caminhar, muitos destinos para a mente e nenhum para os pés. Eis que entre pessoas, sons, luzes, cores e vida, a viu. Perfeita em sua simplicidade. Única, bela, brilhante e só. Parou. Não conseguiria prosseguir sem levá-la consigo, porque nela se concentrava toda a perfeição do ser: ela era o que era, e era aquele momento, apenas.
Caminhou até ela, em passos tímidos, como quem se aproxima do desconhecido sem medo, mas temendo desajustar algum equilíbrio existente. Olhou-a por um tempo e pegou-a, enfim, do chão. Segurou-a firmemente entre os dedos: era sua. Custara a acreditar que a possuía. Todo aquele brilho aprisionado entre seus dedos. Enfim, sentiu-se dona daquela pequenina conta que continha o brilho de mil estrelas.
Levou-a consigo, caminhando apressada, atônita, temendo que alguém, de surpresa, a tirasse de suas mãos. Ao chegar em casa, buscou o lugar ideal para guardá-la, mas nada ali parecia capaz de suportar tamanho brilho. Até que viu a caixinha de música de sua avó, onde uma linda bailarina dançava graciosamente no centro. A pequena conta, agora, ocupava o lugar que outrora guardara valiosas jóias, mas que jamais valeriam tanto para a menina como o seu mais novo tesouro.
Ao sair de casa, no dia seguinte, parecia ainda mais distraída do que de costume. Até que, repentinamente, um desconhecido tomou sua mão e pôs nela um pequeno objeto. Sussurrou em seu ouvido palavras que agora seriam para sempre só suas e sumiu, como que envolto por uma leve brisa. Ao sentir o pequeno mundo em suas mãos, sentiu o coração palpitar. Não conseguia acreditar, era tão súbito, tão único, tão seu, aquele momento. Sentiu-se leve o restante do dia, uma leveza estranha, daquelas que, a qualquer momento, podem desaparecer. Mas não importava: para ela, cada conta aumentava um ponto na história da sua vida.
E assim seguiu vivendo, um dia após o outro, uma conta após a outra. Algumas eram grandes, brilhantes, pareciam maiores que o mundo, até. Outras, menores, mas com o brilho parecendo ainda mais intenso, concentrado naquele pequeno universo.Cada conta tinha sua história e sua importância.
Algumas haviam sido presentes de pessoas queridas; outras, desconhecidos a haviam dado até mesmo sem saber. Algumas pareciam surgir quando tudo parecia errado, outras eram pequenos frutos brilhantes do seu esforço.
E, cada vez mais, a caixinha de jóias estava mais cheia de cor, cores estas que pareciam enfeitar também o coração da menina, da moça, da mulher. Mulher que, agora, via o colorido das contas contrastar com o branco de seus cabelos. Tanta vida, tantas contas. Eram tantas que suplicavam para se unirem ainda mais.
Unidas pelo fio da vida, as contas formavam, agora, um colar multicolorido que adornava o pescoço da senhora, que dormia serenamente recostada na cadeira, embalada pela suave melodia que fazia a bailarina dançar.

sábado, 8 de maio de 2010

Espera.

Há muito tempo andava à procura de algo, à espera de algo. O que seria, afinal? Não sabia, apenas sentia aquela angústia de quando se sabe que algo está vindo, ou virá um dia. Uma pessoa, uma lembrança, um cheiro, um gosto, talvez, nem que para adoçar por cinco minutos sua vida, monótona vida. E esperava pacientemente, feito criança que espera o pai que prometeu levá-la para passear. Um copo, dois, três. Palavras perdidas em algumas páginas de um livro que parece não ter fim, as unhas roídas, os cabelos levemente desarrumados, esperando, esperando. Levanta, faz um café forte, a louça por lavar, aquele apartamento-dois-quartos-com-varanda pedindo por uma limpeza, peças de roupas dispostas suavemente nas cadeiras, aquela caixa de bombons com papéis refletindo a luz do sol que entra pela janela como estrelas de celofane. O telefone há muito não toca, as contas acumuladas na mesinha de madeira nobre, a coisa mais nobre daquele ambiente vazio de vida. E a vida dela se esvaindo como a fumaça do incenso que trazia doces recordações do amigo budista da loja de artefatos orientais. Andava desnorteada, esquecida de si, por entre as paredes do que chamava de lar, recanto de sua solidão e de seu desespero, desespero que agora vinha acompanhado de insônia, memórias, uma caixa de cartas antigas e bombons. A poeira parecia se acumular sobre cada canto daquele coração esquecido de emoções, assim como se acumulava nos cantos das paredes do apartamento, cantos agora delicadamente ornamentados por teias finas como as teias que a uniam a seu passado. E, paciente, esperava. O tique-taque do relógio apressado. Remexendo entre as cartas, lendo cada vez mais sobre o que havia sido, vendo, cada vez mais, que a espera era vã, pois nada daquilo iria ser refeito.
Um último raio de sol iluminava, por fim, suas jóias de celofane. As cartas acumulavam-se ao redor dela. Eis que encontrou uma das muitas cartas de amor que fizera. Mais uma das nunca enviadas, o registro escrito da palavra não dita, a prova da pouca coragem, a marca da felicidade perdida. E então, chorou. Chorou por saber que a espera de si mesma seria eterna, pois sempre estaria aguardando algo que não vem, pois era tarde demais.


Nos caminhos tortuosos dessa estrada
Ao andar, me encontrava tão perdida
Eis que, em ti, encontrei não só caminho
Mas, também, um sentido em minha vida.
Pela janela, um papel era lançado. Embalados pelo vento, os versos iam embora.