terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Passou.

Era aquele o momento pelo qual havia esperado a vida toda. Não acreditava, mas dentro de cinco minutos estaria realizando o sonho de toda uma vida. Todas as noites sem dormir, todas as refeições apressadas, todas as recusas que fizera aos amigos, tudo aquilo caminhava lentamente para um desfecho que só dependia dela.
A solidão, a tristeza, a euforia, a dúvida, a insegurança, tudo mesclava-se no bater do seu coração.
Cercada por desconhecidos ela parecia só. Ouvia apenas os ruídos de sua respiração. O vento abafado por tantos corpos parecia ferí-la, como uma última prova pela qual ela precisava passar antes de entrar e enfrentar o grande desafio que a aguardava.
'Abriram-se os portões', ela ouviu. Como que por instinto, dirigiu-se por aquele portão, passando por um corredor que ficava mais estreito a cada passo. Identificaram-na. Começou a caminhar.
O vento agora não era abafado, mas sim carinhoso, dançando por entre seus cabelos. Tinha um semblante sereno, olhos fixos em seu objetivo. Caminhava como que para salvar-se. Ou não.

Ao chegar, rostos conhecidos mesclavam-se a rostos antes jamais vistos. Respirava.
Enfim, começou. O que foram algumas horas pareceram durar uma eternidade. O sim e o não rodavam por entre sua cabeça, a respiração começava a incomodá-la. O coração batia calmo, mas que calma era essa?
Respirou.
Estava ali, na sua frente, havia esperado, evitado, mas por fim chegou a desejar que chegasse logo, que a espera findasse.
Respirou.
O que mais poderia fazer? Era ela, só ela. Não havia quem a guiasse, estava só e só permaneceria enquanto aquilo durasse. Torturou-se por alguns minutos. O coração ainda não refletia todo o seu nervosismo.
Respirou.
Pensamentos voavam soltos, conectando-se como que por acidente aqui e ali. Era isso, não havia mais o que fazer.

Agora caminhava pelo corredor, chegando ao seu fim e sentindo o vento no rosto. Recusou olhar para o próprio rosto refletido em uma janela. Não queria ver em si mesma a derrota.

O caminho de volta, ao contrário do que sempre ocorria, pareceu mais longo. Dava passos calmos, como quem olha o mundo pela primeira vez. Olhava para o céu, os raios de sol tocavam sua pele, o vento fazia seu cabelo dançar. Não ouvia nada, apenas caminhava. Olhos fixos no futuro, pensamento no passado. O presente era apenas o caminhar. Pessoas passavam, sequer ousava encará-las. Estava ocupada demais olhando para o céu e para as nuvens fofas.
Sorriu. De repente, gargalhou. Enfim, o que era aquilo? Era a certeza de que havia tentado, talvez fracassado, mas de que não perderia sua dignidade por aquilo. Aquilo não era suficiente bara definí-la ou derrotá-la. Ela estava apenas começando e, cedo ou tarde, seria mais forte do que os obstáculos que viriam.

Com os olhos marejados por lágrimas, continuou a caminhar, até o conforto dos braços acolhedores.

domingo, 3 de agosto de 2008

Recado para meus visitantes.

Para os freqüentadores do meu pequeno poço de caraminholas megalomaníacas - para não dizer "leitores", assim fica muito sério, e eu não sei se as pessoas consideram sério o que aqui faço, assim como não sei se há quem leia o que aqui escrevo - aqui fica meu recado: estarei ausente por tempo indeterminado. Pode ser que eu volte a postar amanhã, pode ser que seja daqui a uma semana, um mês, um ano, não sei. Sei apenas que pretendo, sim, voltar a escrever aqui.
Se houver alguém que leia o que aqui escrevo, obrigada. Bom saber que não estou só.
Sei que deixar esse aviso parece bobagem, afinal, pode ser que ninguém o leia. Mas é só para eu pensar 'puxa, e se eu tiver leitores?'. Deixem eu ser feliz, obrigada.
Não estarei postando por motivos de força maior - vestibular, oba! - e dedicarei meu tempo ainda mais a tal.

Medicina UFC, aqui vou eu!

Sobre o direito de permanecer calado

"- Ei, ei, eu tenho o direito de permanecer calado!
- O direito você tem, o que você não tem é a capacidade."



Liberdade de expressão. Tantos falam sobre ela, tantos clamam por ela, tantos a desejam, tantos a possuem - ou pensam possuir, mas aí já são outros quinhentos. Ela parece sempre o tema a ser discutido. Quer dizer algo e tem medo de ser repreendido? Grite a plenos pulmões: "liberdade de expressão!" e seja feliz. Tem medo de magoar alguém com uma opinião? Dê os ombros e diga "liberdade de expressão, que posso fazer?". Tiro e queda.
Muito bonito, muito bonito. Mas acho que há algo tão importante quanto a tal liberdade: o direito de ficar calado - que em alguns casos pode ser convertido em dever. Direito que nos é dado e que muitos fazem que nem o possuem.
Vivemos em meio a um mundo de opiniões, das mais variadas possíveis e sobre os mais variados assuntos. E parece que é uma necessidade emitir opinião sobre tudo. Digo, possuir opinião todos possuem, mesmo que não queiram. Externá-la é outra coisa. Não sei, às vezes sinto que há pessoas que vivem para mostrar como opinam sobre tudo. Possuem discursos e mais discursos para mostrar como suas opiniões são válidas, o motivo de as terem, e ainda com direito a umas pequenas "alfinetadas" para os que deles discordam.
Céus, é tão importante assim ter as opiniões estampadas na testa para quem quiser ver?
Argumentar, dialogar, ver as coisas de diferentes pontos de vista, conhecer pareceres diversos, e outras coisas é realmente muito bom. Nada como uma conversa onde diferentes opiniões são mostradas. Mas, tenha santa paciência, ter que expor o que pensa sobre tudo não é necessário.
Falo, por exemplo, sobre quando não temos opiniões, ou quando precisamos pensar um pouco mais sobre elas. Ou sobre quando não sabemos se o efeito de nossas opiniões - o efeito de mostrá-las, digo - será o desejado, e preferimos guardá-las apenas para nós mesmos.
O direito de permanecer calado pode ser interpretado como o clássico "em cima do muro".
Mas aqui deixo claro: falo de tal direito não defendendo-o fervorosamente, porque não ter opiniões sempre é como ser um vegetal. "Vegetais, balancem os galhinhos, por favor". Mas ter que dividir o que se pensa com todos pode se tornar totalmente desnecessário.
Um exemplo, você anda despreocupado pela rua, quando um rapaz - ou moça, tanto faz - lhe interrompe e pergunta animadamente: "O que você acha do atual governo?". Surpreso, você repara que na folha que lhe é entregue há apenas duas opções: 'BOM' e 'RUIM'. Você sorri, finge que tem um compromisso e sai. Mas a pessoa lhe persegue até que você, vencido pelo cansaço, emite sua opinião, mesmo que contra sua vontade.
(Aqui faço um breve comentário: é impressionante como, depois de emitir uma opinião, ela parece ficar escrita em nossas testas, e ai de nós se mudarmos. Parece que um 'sim' ou um 'não' nos define de maneira permanente.)
Bem, o direito de permanecer calado é exatamente isso: algo que faz com que você não diga nada que possa vir a ser usado contra você, futuramente. Seria tão bom se alguns o usassem!
Mas deixa estar, aqui já ficaram opiniões demais. E tenho o direito de permanecer calada, não esqueço.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

História de uma gata

No meu caminhar, encontro-me desperta enquanto todos dormem, ou tentam, pelo menos. Insones somos nós, gatos e poetas. Ao olhar ao redor, deparo-me com cenas comuns, rua vazia, telhado vazio, casas aparentemente vazias, por vezes tão vazias quanto os que as habitam. Mas meu passeio está apenas começando.
O doce vento da madrugada vem acariciar-me o pêlo e fazer cócegas em meu bigode. Se disser que não gosto disso é mentira. Sinto-me amada, recebendo os carinhos de um dono que não possuo.
Engraçado como as coisas mudam sem as pessoas por perto. Elas, sempre tão agitadas e frenéticas, vivendo como em um ciclo. Deve ser chato ser humano. Nascer, crescer, às vezes se reproduzir e, inevitavelmente, morrer. Ah, tantos deles se resumem a isso. Chego a ter dó.
Daqui de cima consigo ver o que eles mesmos não enxergam. Parecem não se importar com o fato de a vida, tão breve, lhes escorrer pelas mãos. E eles insistem em jogar fora o tempo como quem joga fora algo banal como uma latinha de refrigerante. Mal sabem o quanto cada segundo lhes é valioso. Insistem em pensar que nada se perde, e que o mundo é e sempre será infinito. Estragam o quanto podem, sem perceber o mal que aquilo lhes faz.
Sonham tanto, realizam tão pouco. Claro, não me refiro a todos eles. Não se pode julgar o todo apenas pela maior parte (embora ela - por ser maioria - faça com que aspectos da minoria não sejam levados em consideração).
Um rato passa por mim furtivamente. Droga, não consegui pegá-lo. Ah, quantas mais noites insones terei que suportar? As luzes da cidade me trazem aconchego. Gosto de observá-las, sinto como se elas me iluminassem até o mais profundo de mim, elas me trazem paz.
Sinto o início da manhã chegar. Poetas, cronistas, bêbados, trabalhadores, desocupados e afins, gatos, insones do mundo, sintam em seus rostos o leve toque da luz matinal. Creio que seja hora de dormir. Ou tentar, ao menos.




Raios! Eu havia cochilado. Observo o pequeno relógio tiquetaqueando sobre a mesinha de cabeceira: seis horas. E vejo por aqui vestígios daquela gata preta que sempre me visita em busca de restos de comida. Ela veio, hoje.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

(Sem) rumo.

Porque quando ela caminhava, parecia que o mundo inteiro não passava de mera formalidade. O vento nos cabelos, o sol fazendo seu rosto corar, os pés definindo um rumo que poderia não fazer sentido algum.
Pensamentos soltos borboleteavam por sua mente, e quanto menos complexos, melhor. Ah, como era doce viver.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Tudo que pode dar errado

Eu estava aqui sem fazer nada, assim, pra variar um pouquinho só. E cá me pego pensando: muitas coisas podem dar errado no dia que eu for fazer minha tão esperada prova de vestibular.
Eu sei, ela é só dia 23 de novembro, mas certas coisas ocupam uma mente desocupada (e isso ocupou a minha, foi inevitável, quando eu vi já estava aqui com todos os possíveis problemas na cabeça).
Primeiro: o despertar. Bom, eu sou bem tranqüila para certas coisas, mas não sei se no dia conseguirei manter a calma. Tenho medo de não acordar na hora certa, me atrasar e perder a prova (já tive até a visão de um portão se fechando nos últimos segundos, enquanto eu, naquela corrida espetacular, fico por alguns milímetros do lado de fora). Tenho um sono muito pesado. Acho que vou colocar todos os despertadores da casa (e comprar alguns mais, só pra garantir) para despertarem umas duas horas antes do necessário, para caso eu caia na tentação dos 'dez minutinhos a mais' eu não perca tanto. Vou armar um dispositivo que vai jogar água em mim. Vou mandar minha mãe gritar, minha irmã gritar, meu pai gritar, meus vizinhos gritarem. Em último caso, vou contratar uma pessoa pra me bater caso eu não queira acordar.
E há também a possibilidade de eu não conseguir dormir e estar muito mal no dia da prova, cochilando por cima da mesma. Não, não, não, isso não!
O café da manhã é outra coisa que me apavora. Até isso? É, até isso. Eu não costumo comer de manhã, a menos em momentos tensos. E esse, com certeza, vai ser um momento tenso. Vai que eu como algo que me faz mal? Visitas freqüentes ao banheiro durante a prova são algo potencialmente problemático. Isso me faz lembrar outra coisa: o jantar da noite anterior. Eu não quero perder a prova por não conseguir deixar o banheiro da minha casa. Nada de estripulias, então!
Mais uma coisa: quem vai me deixar. Bem, já falei com meus pais (sério, falei mesmo) que já escolhi qual dos dois me levará. Foi uma decisão não muito difícil, assumo. Espero que esteja tudo 'nos conformes' no dia com meus escolhido. E com o carro. Vai que o carro quebra antes de sair de casa? Ou pior, quebra no meio do caminho? É para isso que vai servir a minha ida adiantada em, pelo menos, meia hora do que o horário que deveria ser. Não admito falhas.
Chegando lá, superando todas as calçadas, buraços, portões, pessoas, enfim, na hora da prova. E se minha caneta falhar? Bom, claro que levarei mais de uma. Mas e se todas elas falharem? Não sou exagerada, só acho que se algo pode dar errado, temos que considerar essa possibilidade. Sem contar as lapiseiras que insistem em me odiar e quebrar nos piores momentos. E os lápis sempre me abandonam. As borrachas saltam das minhas mãos. Não consigo fazer nada sem uma garrafa com água, e tenho medo de molhar minha prova, visto que sou muito desastrada. Ai, céus, eu não achava que fosse tão complicado.
Acordar, comer, ir até lá, chegar, me acalmar, levar vinte canetas, quinze lapiseiras, sete lápis e três borrachas. Ah, e quatro garrafas com água (mas sem derramar, por favor!).
É melhor eu ir fazendo a listinha pra não esquecer de nada...

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Laço

O som dos sapatos evidenciavam seu nervosismo. Ela sabia que não estava conseguindo conter as próprias ações.
Aquele tamborilar de dedos, como quem espera algo que não sabe se deve vir, como quem espera algo que não sabe o que é, que quer que algo ocorra, mesmo sem ter certeza do que se trata.
Já havia consultado o pequenino relógio de pulso dourado, gostava tanto dele, havia recebido das mãos da avó, ela o havia comprado na mais bela vigem que fizera, ah, minha filha, foi tão lindo...
Era a única lembrança que possuía do seu passado, era a única que realmente valia algo, ela achava que sim.
Sentada ali, achava que a vida não passava de uma efemeridade que por vezes não valia à pena ser vivida. Apenas apreciar viverem era sua presente ocupação, e merecia um prêmio, pois até agora não havia pensado em qualquer comentário ferino como os que fazia com freqüência. Estava aprendendo a ser mais reservada.
Essa foi uma das lições que aprendera a duras penas, mas desse passado não havia mais nada nela, ela era apenas o hoje e o que viesse depois. O que fora, agora, não mais importava, pois quem muda, muda. Resquícios da existência passada eram inadmissíveis, e não queria torturar-se ainda mais.
Tinha uma angústia no peito, e a sensação de que um buraquinho estava se formando logo abaixo do salto daquele que já fora seu mais belo scarpin, e que hoje era o único.
Parecia não chegar nunca, os dedos já estavam roxos de frio, e as unhas cobertas por uma camada descascada de esmalte vermelho, que cada vez estava mais desgastada pelo tamborilar frenético, ou até mesmo pelo descontrole momentâneo, quando a mão era levada à boca em um movimento impulsivo.
Cinco e trinta e cinco. Ela achava que de nada mais adiantava esperar, pra quê, se ele não vem.
O scarpin, de repente, parou. Os dedos agora vacilavam ao tentar tamborilar, descrevendo um movimento livre, solto pelo ar.
Os olhos dela eram doces como os de uma criança, úmidos pelas lágrimas de alegria. Ele estava ali.
Primeiro, não quis revelar-se, mas ela conhecia os sinais de sua aproximação. Já sentia seu toque que a fazia corar.
Então, ele a possuiu, iluminou seu rosto, trouxe calor ao seu corpo. E os dois tornaram-se um só.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Pipas

Engolia-o com ferocidade. Sentia-se sufocado com as verdades da vida, querendo correr daquilo que insiste em perseguí-lo, memórias de coisas que ainda não viveu e que jamais quer viver.
Percebe que não é mais menino, menino que corre despreocupado atrás de motivos para viver, que corre atrás de pipas, simplesmente por pura diversão, vendo-os deliciosamente escorrer por entre meus dedos, aquele papel colorido pelo qual os raios de sol pareciam ainda mais belos, e o suor salgado da doce vida escorria pelo seu rosto. A terra entre seus dedos o parecia impulsionar para o ar, sentia-se leve, flutuar era apenas uma questão de tempo.
Ah, pipas que hoje insiste em perseguir, mas elas fogem não mais com a fragilidade, mas sim com a velocidade do inalcançável, a maldade do inatingível, corre atrás das próprias pipas, aquelas que faz mas manda embora. Não possui mas a vivacidade do menino que outrora fora, parece ter os pés acorrentados ao chão duro.
Tudo parecia ao alcance das mãos quando era menino, magro, a leveza do corpo refletindo a leveza da própria alma. Tão leve, tudo parecia tão simples, como um sonho sem fim, como uma realidade mutável e facilmente selecionável. Queria ser, podia ser, seria.
Era? Não. Pareceu abandonar tudo aquilo, toda aquela alegria sabe-se lá quando, sabia apenas que não a tinha mais. Olhava o mundo admirado com a própria incapacidade. Os dias cada vez mais vazios, sem aquela cor que outrora tivera.
Sentia o suor amargo.

Corria, corria, corria, aquelas pipas, voltem!, dizia, queria alcançá-las, queria possuí-las, não!, era como se a chance de ser feliz fosse embora com o papel colorido. Ela, de fato, ia embora. Chorava, chorava, menino levado a chorar sozinho, contrariando ao que o pai sempre dizia. Lágrimas salgadas, o peito amargurado pelo que não conseguira atingir, e zombavam dele, eram cruéis provas da fraqueza, mostrando o quão imprestável era. Correntes pesadas em seus pés, aquele barulho da incapacidade, o prendiam, o torturavam, o machucavam, não era mais um menino, era um homem, mas a alma de menino brotara em seu peito, em seu peito agora estava em conflito com o ceticismo da idade que agora possuía. Sentia os pés livres, mas por que não consegua alcançá-las? As correntes não estavam mas em seus pés, mas sim em seu coração, esse coração, coração que aos poucos morria, definhava, precisava daquele sentido que havia perdido. Doce fragilidade e inocência, pureza e sonho que perdera, nunca mais vindo a recuperar. Como doía, tudo aquilo, aquela trágica nostalgia, não, queria mudar, não podia, não assim, não queria viver assim, não mais.
Grito.

O suor o banhava. Abriu abruptamente os olhos. Fitou o teto. Já passou, já passou. Só que agora não tinha mais o quarto dos pais para ir.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Qual o quê

Saber que tudo passa é necessário, mas às vezes é extremamente difícil. Digo, coisas que eu pensava serem duradouras (eternas não, assim é demais, já), hoje são meio (ou totalmente) estranhas a mim. Antes, eu parecia ter domínio quase que completo sobre elas, mas por puro acaso aquilo que parecia tão lindo se desfez, como aquele instável castelo de cartas.
Penso em às vezes esquecer, deixar para trás, deixar morrer. Penso não valer mais tanto o meu esforço, se não quer voltar, não volte. Aquela graça de antes se esvaiu, será? Mas não sei por qual motivo insisto em não deixar morrer. Parece que se ainda insisto, se ainda quero, é porque vale a pena.
Tudo deveria ser mais fácil, realmente deveria. Voltar ao ponto em que queria e dali prosseguir sem deixar que nada desfizesse a frágil estrutura. Manter aqueles mesmos sorrisos, aquelas mesmas alegrias, aqueles mesmos segredos, aquela mesma amizade, aquele mesmo jeito de ser, sempre.
Idiota me sinto por pensar assim. Mas deixa estar.

sábado, 5 de julho de 2008

Inesperado encontro

As crianças corriam pelo quintal, algumas faziam castelos de terra, terra batida, barro vermelho por ali, Maria, não coma seu bolinho de areia! Ela via tudo passar, lembrava dos tempos dela, bons tempos.
O pomar, cheinho de frutas, algumas pedindo para serem retiradas, como se implorassem pelo roubo, e ela subia, subia como a pequena menina que passava correndo por ela, nese momento, ah, aquela saudade do tempo bom.
Via tudo aquilo construído, aquilo que agora era parte dela, a família no grande sítio, e era ela, matriarca, elo daquela grande união. Via tudo com aqueles olhos de menina fascinada, a idade dos olhos, ah, não era a idade que os ossos acusavam, já não andava como antes.
Mas estava só, universo aos seu redor, e ela só. Pensava nas jabuticabas, apenas não tivera uma Emília que a levasse com pó de pirlimpimpim, mas tivera as jabuticabas.
Hoje, naqueles olhos cansados, naquelas rugas, formava-se um sorriso. O pequenino vinha ao seu redor, dizendo que a amava, ela também o amava.
Com ela falavam, ela respondia com um aceno leve de cabeça, concordando com os absurdos desconhecidos que a ela eram ditos, cada palavra correndo de seus ouvidos, ou seriam seus ouvidos que corriam das palavras?
O pensamento, distante, encontrando-se consigo mesma, com ela no passado, aquela doce nostalgia, lembrando que tivera uma galinha chamada Felicidade, mas Felicidade havia morrido, ah, como chorou. Parecia que Felicidade era única, insubstituível, mas com o passar dos anos passou a ver que felicidade havia em outros lugares.
Lembrava da doce voz da mãe que embalava seus sonhos com cantigas que contavam lendas de sereias.
Adorava o céu, a fascinava sempre. Aprendera com o avô a respeitar as estrelas, a querê-las bem, a amá-las. Tão fascinada pelo seu que fizera o próprio céu na terra, através do brilho dos olhos de outrem.
Mas apesar da doce vida, havia o maior sonho em seu coração que permanecia em não se realizar: voar. Queria conhecer as alturas, voar para longe, a mente voava, ela não, não se sentia leve o suficiente.
Mas hoje, estranhamente, sentia-se leve. Voaria para longe? Sim, haveria de ser hoje, sentia algo diferente, as cenas, tudo aquilo, voaria.
O vento a soprou para tão distantes lugares, lembrava dos pormenores de uma vida que valera a pena, e sentindo-se feliz encontrou-se consigo mesma.
Fechou os olhos e dormiu.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

De amor.

Odeio gatos, comentou com a esposa ao ver um felino em um daqueles programas que fazem com que as palavras trocadas durante o jantar fossem poucas.
Depois, repousou a cabeça no travesseiro e dormiu.

Caminhava apressado, as ruas abarrotadas do centro da cidade o obrigavam a isso - ao menos assim ele pensava. Mal sabia que assim caminhava para compensar o ritmo descompassado do próprio coração - que coração?
No seu não pensar cotidiano, de repente, foi surpreendido: parecia estar sendo seguido, sentia isso, sentia estar recebendo mais atenção do que realmente deveria. Foi então que o viu.
Olhos profundamente tristes, em tom de constante e inquietante súplica. Sentiu a repulsa tomar conta dele, o que atraía aquele animal, meu Deus? Animal esse que rompia o frágil equilíbrio entre o amor recebido e o amor cedido.
Sempre amara e fora amado. Amava a quem o amava, era só. Nunca havia amado alguém sem ter sido amado em troca. E nunca antes havia recebido amor gratuitamente. Sentia-se desesperado.
O gato, magro, sujo, dava a ele um amor nunca antes dado. Sentia não estar apenas sendo observado ou seguido pelo gato, mas podia sentir o amor que brotava espontaneamente dos olhos da pequena criatura. Fora escolhido para ser amado.
De repente, apressou-se. Caminhava mais rápido, mas ainda assim podia ouvir os leves passos de um corpo frágil. Sentia aquele olhar, parecia estar possuído pelas súplicas desesperadas.
Tentou, em vão, livrar-se daquele amor, daquele sentimento irritantemente puro, simples.
Saciou a fome e a sede do gato, mas nada conseguia saciar o desejo de amar do pequeno animal. Como tudo "é o que tem de acontecer", aquele felino parecia ser para amá-lo.
Olhava o bichano como se tal constatação o ferisse, e feria. Estava sentindo o peso de ser amado. Mas amor com amor não se paga.
Levou-o consigo, para pagar-lhe o amor. Mesmo com todos os protestos da esposa, o fez um filho, mas um filho que não amava, a quem apenas pagava o amor recebido com comida, cuidados, mas nunca amor.
Com o passar do tempo, foi descobrindo as peculiaridades do bichano e deixando-se descobrir por ele. Já acordava sentindo o toque macio de seus pêlos sob os pés, em um ritual cumprido rigorosamente.
Porém, em uma manhã, não o sentiu. Procurou-o, aflito, mas não conseguiu entontrá-lo. Correu, desesperado, por todo o apartamento, onde, meu Deus, onde? Foi apressado até o local onde pela primeira vez se sentira amado, e lá o viu. O corpo frio, aquilo que era apenas o vazio do que um dia o havia amado.
E o frágil equilíbrio estava mais uma vez desfeito, pois agora era ele quem amava gratuitamente.

sábado, 28 de junho de 2008

Poder.

O leão é o rei, mas as hienas são o parlamento.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

I

13/02/07



Acorda sobressaltada. Que horas serão? Ela não sabe. Sabe apenas que aquilo não deveria estar acontecendo. Por que tudo tem que ser assim? Na noite anterior, jurou tentar esquecer e não se importar com mais nada. Mas não consegue. Seu pequeno coraçãozinho fica cada vez mais apertado ao pensar que ajudou a tornar alguém infeliz. E esse alguém é ela mesma. Ela finge que não é nada, esconde no mais profundo de sua mente. Esconde aquilo que parece transbordar. Aquilo que parece ser apenas algo passageiro, ocupa sua mente em todos os momentos. Não consegue pensar em mais nada. Toma uma decisão: vai acabar com aquilo de vez. Veste-se e sai. Mas ao chegar em seu destino, percebe que é tarde demais. Alguém já fez o que ela deveria ter feito há tempos. Desiludida, volta cabisbaixa para casa, e promete que nunca, nunca voltará a amar.

domingo, 22 de junho de 2008

Saiu.

Ainda é cedo para os que sofrem de insônia, mas para mim, uma pobre mortal com um sono extraordinariamente exagerado, parece que a madrugada já vai alta. Meus peixes levitam ali, tão pacatos,parece que viver em seu feliz aquário lhes basta.
Eu não sou um peixinho.
A janela, sempre ameaçadora, me faz relembrar temores que até hoje guardo comigo, certas visões que acho impossíveis de serem esquecidas. Aqueles pequenos-grandes traumas que me fazem, antes de dormir, acender a pequena luzinha e conferir se não tem ninguém me olhando.
Meu coração, do tamanho de minha mão fechada, aqui, batendo apressado. Eu, buscando alguma coisa que prenda minha atenção. Ou melhor, que desvie minha atenção de coisas as quais prefiro esquecer, e que fazem meu coração acelerar abruptamente, enquanto eu me convenço de que "é só bobagem, sua tonta".
Meus olhos estão começando a pesar.
("Eu queria tanto, tanto, falar para você aquilo que sinto, mas parece ser tudo em vão, que insensatez. Quisera eu ter o dom de em sonho te fazer enxergar aquilo que apenas eu vejo.")
É estranho quando a gente pensa que certas coisas jamais podem acontecer com a gente. Tão acostumados a fazer certas coisas, ter certas atitudes e acabamos descobrindo que um dia alguém fará conosco o que tanto fazemos aos outros. Descobrem em nossa força nossa maior fraqueza, e parecem abusar dela. Tantas vezes isso parecia divertido e agora não é mais.
O vento frio que vem do condicionador de ar começa a deixar meus pés gelados, e eu me recuso a calçar meias.
Meus olhos estão quase molhados. Quase, mas não estão. Nem ficarão. Mas há certas coisas boas que deveriam ocorrer e não ocorrem, por que? Nem pude ter sequer a chance de tentar ser um pouco mais feliz.
Esse cheiro de perfume de bebê está começando a me enjoar.
Começo a entender que não nasci pra ter insônia. Meus olhos quase molhados agora estão também quase fechados, mas me recuso a dormir. Não, não quero ter aquele mesmo sonho. Me recuso a acreditar que ao acordar tudo vai estar diferente, porque sei que não vai. Aliás, sinto-me confusa, porque acredito, não quero acreditar, não acredito, e algo dentro de mim diz que creio.

Raios, desliguei os fones.

sábado, 21 de junho de 2008

Cinco minutos

Corria, corria, parecia jamais chegar. Ia sem rumo, não aquilo não. Sentia o sal da fragilidade tocar os lábios, enquanto seus olhos a enganavam, com seus cabelos atrapalhando a visão, que visão?, aquilo já não mais importava. O poder que os cinco minutos tinham, podiam destruir uma vida.


O sol estava ali, como sempre, seu brilho de escárnio, como se a vida sempre fosse bela. Bem, para ela, realmente era um belo dia. Sem contratempos, fez tudo como sempre: distribuiu bons dias, sorriu, foi gentil, comprou aqueles pãezinhos que a faziam tão bem. Caminhou despreocupada, sentindo a brisa a acariciar o rosto, ouvindo o som da vida, no andar, na respiração, no ritmo frenético do tempo.
Era bela, longos cabelos, aquele volume gracioso, e olhos, ah, doces olhos escuros, olhos atentos, assustados, observadores. 'Minha Marília', ele a chamava. Tinha a expressão de constante vigilância, parecia atenta a tudo. Ah, tão bela.
Como de costume, ficou a passear pelas ruas naquela hora que tanto a agradava. Os pés tocavam as folhas, grama, pequenina, frágil, olha, até flores ali. Tão despreocupada, tão leve.
Sentou. Começou a apreciar os transeuntes, pareciam personagens de uma história só dela. Ele pediu para que o esperasse. Era isso o que fazia, esperar.

Olha, é ele. Tudo tão rápido, não!, aquele carro vermelho, vermelho, gritos, meu amor!, acabou-se, ajuda, olhares, ela correu para seus braços, tarde demais, tão tarde, tarde. Vermelho como o carro, o céu refletia em seus olhos, olhos profundamente verdes.
O choque. Não não era, não podia. Enfim, seu dia, seu mundo, sua vida pareceu parar naquele momento. Pôs-se a correr, correr sem rumo, ah, sentia as lágrimas.

sábado, 14 de junho de 2008

Olhos seus

Olhos profundos, verdes, tristes, doces. Docemente tristes. Tristeza para mim desconhecida. Seriam seus olhos tristes como os de Romeu?
Tristeza que me invade, que me toma. Me toma como as águas do mar tomam os pulmões de alguém que se afoga. Águas verdes, mares verdes, águas mares, mares olhos, olhos verdes, olhos água, olhos seus.
Afogada em seus mares, suas águas, seus verdes, seus olhos. Morrer no mar torna-se doce, nas suas ondas verdes. E eu acredito na canção do baiano poeta.

Sábado 14

Todo mundo tem aquelas supertições e afins com a sexta-feira 13, mas o dia realmente 'cavernoso' é o sábado 14. Por que? Porque é no sábado que tudo acontece (ou não). Ora, porque sábado é sábado, dia de não fazer nada, feito para ficar só vegetando e borboleteando por aí. Dia de dormir, dia de sair, dia de ler, dia de ouvir, dia de sentir, dia de ser. Nas 24 horas do sábado parece que tudo tem uma certa magia (é?), ou algo do gênero. Nos sábados nos reunimos com os amigos para aquele velho ritual de jogar conversa pelos ares. Ou então nos reunimos conosco, para refletir sobre qualquer coisa.
Aqui expresso (in)formalmente minha revolta e minha dó pelo pobre sábado 14. Por que só as sextas-feiras 13 são legais, hã? Será que o pobre sábado não merece sequer uma pequena supertição como 'não comer arroz com babatas', 'não passar na frente de uma vitrine usando azul' ou algo assim? Sei que as sextas têm todo aquele histórico, sem contar as mil e uma utilidades do 13, número místico e não-sei-o-quê (não me refiro ao Zagalo, por favor), mas pôxa, E O SÁBADO 14?

Tal dia transcendental só perde para o tedioso domingo 15, diga-se de passagem.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Nota

Soltem seus gatos pretos.

terça-feira, 10 de junho de 2008

O que esconde

Ela era apenas a garota a caminhar, com seu olhar distante, a mente vagando por universos desconhecidos.

sábado, 7 de junho de 2008

O mundo. Ou mais.

Certas coisas realmente nos fazem pensar sobre quem fomos, somos e seremos. Sobre as decisões que tomamos e como elas podem afetar a nossa vida (um erro que pode fazer tudo ir pelos ares).
Adoro ouvir coisas que me inspirem e que me façam refletir sobre o que eu ando fazendo sobre o meu futuro. Ao ouvir dizerem que seremos grandes, que nos realizaremos e que faremos do mundo um lugar melhor (na medida do possível, claro), eu me sinto impulsionada a realmente fazer algo. Isso pode até soar meio démodé, mas é verdade. Posso não saber fazer nada, mas acho sonhar com coisas aparentemente impossíveis é algo que amo. Porque o prazer do que parece inalcançável me fascina, me faz querer ser sempre a melhor em tudo.
Vejo aquelas pessoas que foram grandes, que ajudaram alguém, que sempre sonharam, foram vanguardistas, apostaram em algo que ninguém jamais acreditou. Acima de tudo, apostaram em si mesmas, quando muitos (ou todos) já haviam desistido delas. E, contra todas as adversidades, conseguiram se mostrar capazes. Não sei se seria demais sonhar com isso, em ser alguém assim. Provar para muitos (e até para mim mesma) que eu posso, sim, fazer a diferença, de qualquer maneira. Ser admirada por alguém e fazer as pessoas sentirem o que sinto hoje ao ver fotos de grandes pessoas.
Não mentirei: quero, sim, ser admirada, e sei que não é fácil. Mas sei que sou do tamanho daquilo que sonho, que quero, que acredito. Pensar e trabalhar para conseguir alcançar objetivos. Mas o mais importante é ter objetivos.
Ser vista não como só mais uma entre tantas, mas sim como aquela que é entre tantas alguém. Alguém de quem possam se orgulhar. Alguém de quem eu possa me orgulhar.
Um dia me disseram que ser importante não é apenas ser lembrado por anos após sua morte, ser imortalizado em livros ou coisas assim. Fazer algo importante para alguém, e se tornar importante para ela pode fazer com que você se torne "imortal", mesmo que por alguns instantes. Talvez seu nome seja menos importante que suas ações.
Enquanto isso, cá estou a borboletear sobre quem posso vir a ser, o que posso vir a fazer (e confesso que ao imaginar alguém me chamando de 'Doutora Morais' tremo da cabeça aos pés). Porque 'o mundo é feito de idéias'. E o mundo é meu.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Fatos, fatos, fatos.

O que leva pessoas a viverem de bem com a vida (ou pelo menos mostrar que vivem)?
(Não) sou observadora, mas às vezes as coisas são, digamos, impossíveis de ser ignoradas. Era um homem gordo, na faixa de trinta anos, porte não atlético. Usava um vestido floral. Sim, um vestido! Além disso, meias coloridas (uma branca e uma preta), sandálias, um colar de conchinhas e outro com um grande coração verde. Ao entrar no ônibus, falava alto e gesticulava bastante. Dizia 'olá' para todos os passageiros, contava piadinhas e era muito simpático.
De repente, começou a distribuir cartões contendo um pequeno texto cada. Fiquei a pensar o que o motiva a fazer isso. Por dia, estar em diversos ônibus (o que, diga-se de passagem, é detestável), sorrir por mais que esteja triste ou vestir-se de maneira ridícula em prol de uma causa (que, de fato, é muito admirável).
E eu, sentada, observando as pessoas ao meu redor rindo de pequenas piadinhas. Olhando pela janela, vejo que o mundo vai, e não pára. Pessoas que não se cumprimentam. Gentileza? Nenhuma.
O gordinho (que se apresentou como Joyce) é um, apenas um. Não, ele é um. Um dentre tantos.









"Amor, palavra que liberta, já dizia o profeta".

Complementaridade

"Tudo na natureza possui comportamento dual".
Ao ouvir isso, pensar que é verdade torna-se até óbvio.
Não somos apenas partículas-onda (com nossas "massas gigantescas"). Nossa dualidade vai além, muito além, disso.

(Ah, as máscaras da tragédia e da comédia... Escondem aquilo que querem mostrar)

Todos são duais. Dualidades que escondem quem somos, muitas vezes, até de nós mesmos. Somos como palhaços no picadeiro da vida, escondendo por vezes o que sentimos atrás de um sorriso.
Nunca somos verdadeiros.









[E a aula de física moderna nunca pareceu fazer tanto sentido...]

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Simplicidade.

Pudera ter ela sonhos cintilantes como aquelas pequenas gotas de chuva a refletir luz no asfalto frio.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Mano velho.

Será.
É.
Foi.
Ainda lembrava os versos de Cajueiro Pequenino.

Rápido, tudo passava como uma paisagem vista através da janela do carro, cada vez com maior velocidade. "Papai, não gosto de ir rápido assim".
Estava sentada no sofá, com os braços cruzados. "Emburrada", dizia a avó. Recusou pedir desculpas. Sua primeira demonstração de orgulho.
Mamãe chegou e disse: "Tenho uma surpresa". Pensei que era um brinquedo. Era uma irmã.
Eles cantavam. Não gostava. Nem dos apelidos. Era proibido brigar, mas ninguém nunca desconfiava dos acidentes.
Sentada no muro, esperando ele passar. A avó conversava com ela, mas as palavras fugiam de seus ouvidos. O mundo existia para esperá-lo. "Um lacinho para você". Sim, ele veio.
Corria. Corria. Corria. Parecia jamais chegar, e o som a deprimia. Todos já esperavam por ela.
Criava seu mundo. Era quem queria ser, só que loira.
Eles a protegiam. Tudo mudava quando era protegida por eles. "Pingo-de-flor, que comilão". Um belo sorriso. Tão pequena, mas já tinha achado um dos amores da sua vida.
"Mais põ, mamãe, mais põ".
Finalmente havia criado coragem. Deixos os pés descalços e aventurou-se. A areia molhada. Cuidado com as pedras. "Mamãe, mamãe, formigas, tira elas!".
Alimentar as galinhas era uma das suas atividades favoritas. Gostava de pensar que aqueles seres dependiam dela, da sua vontade para comerem. Ela as tinha em suas mãos.
"Ela é uma ótima menina!". Ah, mas fingia tão bem, ela sabia.


Olhe a taxa de permutação, veja. Ah, longe, longe.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Mais da metade.

"A moça lia e enquanto a moça lia o tempo corria"

Sentia-se incompleta. Sentada, olhando o mar, via o tempo passar entre as suas mãos, ou melhor, fugir dela, escapar formando espirais pelo ar. E se não tivesse feito nada? Se fosse apenas ser mais uma entre as tantas que passam pela vida, que deixam saudades efêmeras. Deixando a vida apenas como mais uma entre tantas, um número, aquele do RG.

E se aquela fosse sua sua última tarde? O vento no rosto, a areia entre os pés, o som das folhas. A imensidão azul em frente aos seus olhos. Estaria ela vivendo os últimos momentos de sua existência?

Viver nada mais é do que supor. Supor que chegaremos em casa a salvo, supor que iremos à festa, supor que falaremos com alguém mais tarde. Se bem que para algumas suposições não basta estar no meio do caminho. Tem que haver tempo.

Queria ter escrito um livro. Tido um filho. Feito algo importante. 'Não, só mais uma no obituário'. Seria ela importante para alguém? Será que alguém iria, algum dia,lembrar do que ela havia feito, ou dito? 'Ahh, minha bisavó costumava...'. Mas não recordava o nome da avó da bisavó. Ela havia passado. Sem ela, hoje nada seria. Mas dela quase nada sabia, apenas que um dia havia vivido.

Estaria ela no começo, meio, ou fim do caminho?

sábado, 17 de maio de 2008

Placebo.

Caminhou pelo apartamento vazio. Aquele era o dia. Percebera desde que havia acordado. Olhou ao redor e viu que tudo estava exatamente como sempre estivera. Aqueles móveis, aqueles livros, aquela vida. Mas tudo iria mudar.
Foi à cozinha, tomou um copo d'água. "Repitam: incolor, inodora e insípida, muito bem!".Sempre gostou mais do copo azul, mas seu irmão insistia que era dele. "Não quero o verde, mamãe!".
Nunca tinha notado, mas havia uma pequena teia de aranhas no canto superior esquerdo da sala de estar, próximo ao quadro pintado pelo 'amigodaprimadeseuavô', tanto faz.
Tudo hoje parecia diferente. Parecia que estava percebendo coisas antes jamais vistas. Como quem as vê pela última vez.
Caminhou mais, abriu uma gaveta. Tateou à procura de algo. Ao encontrar, guardou o achado no bolso. Continuou a redescobrir o apartamento. Só que agora, o tinha.
O corredor nunca pareceu tão comprido.
Foi à janela, olhou as pessoas lá fora. "Essa sempre foi a melhor janela".
Passou os dedos pela mesa, deixando sua marca na fina camada de poeira.
"Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo."
Pegou o copo azul, seu favorito, e encheu com água. Retirou o pequeno comprimido do bolso. Havia chegado a hora.

Mas, depois, deu-se conta que era apenas placebo. E, ao perceber, já era tarde demais. Havia perdido o momento, que jamais retornaria.

domingo, 11 de maio de 2008

A garota que queria sonhar

Ela era assim, comum. Ao vê-la a caminhar lentamente pelas ruas, ninguém jamais conseguirá imaginar os tormentos que passam por sua cabeça. Com o olhar distante, provavelmente balbuciando palavras soltas, ela anda por aí, a observar aquelas pessoas que, no seu ir e vir, lembram formigas.
Ah, quisera ela poder apenas ser uma formiga. 'Viver não seria tão difícil, seria?'. Ela queria libertar-se, de alguma forma. Ela queria sonhar, apenas sonhar. Não sabia o porquê, mas ela era a menina sem sonho algum.
Então, pensou a fazer algo jamais tentado: roubar sonhos. Começou com aqueles pequenos, bobas fantasias. Roubava-os e se deliciava com os sonhos recém adquiridos: era como comer doces. Um dia, porém, cansou-se de fantasias. Queria sonhos maiores, mais intensos, melhores, de fato.
Passou, então, a buscar sonhadores, caçá-los incansavelmente, a querer seus sonhos obssessivamente. Um a um ela roubou. Um a um ela sonhou.
Ao sonhá-los, parecia que o mundo caberia em suas mãos, se quisesse. Voava pelo espaço, nadava nos mares, era rainha, era tudo o que sempre imaginou. Sonhava o que sempre quisera sonhar.
Porém, sentiu-se farta de todos aqueles sonhos. Queria sempre mais. Insatisfeita, passou a armar seu maior roubo: queria o sonho perfeito.
Dias e noites esteve a procurar, sempre falhando. Não, não eram os sonhos perfeitos, não, não aqueles. Por quase uma vida, sonhou sonhos que pareciam incompletos, infelizes, incapazes de preencher o vazio em seu peito.
Depois de muito procurar, de tanto querer, de tando desejar, ela, enfim, desistiu. Cansou de roubar sonhos. Cansou de não encontrar. Fechou os olhos e dormiu.

Ela estava voando. Nuvens fofas, estrelas cintilantes, águas límpidas, flores delicadas. Ela era o sonho. Havia encontrado o sonho perfeito.

sábado, 3 de maio de 2008

Ela e o mar.

Era isso, sem mais. Livre finalmente.
Admirou o mar, a quanto tempo não fazia isso. Palmeiras ao vento, mas, que estranho, não sentia o vento. Sabia apenas que estava agradável. Aquele parecia o momento mais feliz de todos os tempos. Parecia não sentir a areia sob seus pés.
Caminhou calmamente, deixando que seus pés mostrassem o caminho. Lembrou de quando o mar parecia assustador, de quando fugia de suas ondas, como se elas pudessem fazer algum mal. Na verdade, sempre sentiu receio quanto ao mar. Tão grande, misterioso, instável. Parecia que a qualquer momento poderia acontecer algo.
Instável. Reconhceu-se ao pensar assim. Será que era como o mar? Sempre diziam isso, que era misteriosa. Será que, enfim, havia encontrado àquele a quem deveria entregar-se?
Aproximou-se dele, como uma criança aproxima-se do seu primeiro amor. Esta era a verdade: sempre o havia amado. Sentia-se tímida. Sentia-se boba. Mas, ao pensar nele, sentia-se protegida.
Entregou-se. Ele a envolveu em um abraço, e aquela imagem ficaria para sempre na memória dela. O único abraço de amor que ela viria a receber.
A tranqüilidade, repentinamente, fora interrompida. O que aquelas pessoas estariam fazendo ali? Reconheceu algumas pessoas. 'Mamãe?'. Não conseguiam ouví-la. Parece que não a viam, que não consequiam ver que ela estava ali. Mas, espere...

Enfim, acordou.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Coisas da vida.

E cá estou, sem nada, absolutamente nada pra ocupar minha cabeça. Ou melhor, com pensamentos demais que parecem não fazer sentido algum. Mais velha, e com aquela sensação de que não fiz nada realmente importante.
Uma sensação desesperadora, diga-se de passagem. Sinto-me como alguém que não fez nada que realmente fosse útil. É olhar pra trás e pensar: 'dezessete anos e é isso que eu sou' (o que não é consolo algum).
No decorrer do dia, salvo pequenos acontecimentos, aquela mesma "falsidade". Pessoas que sequer te olham e em um dia te desejam tudo de melhor do mundo. Lindo, isso. E pior: acho meio bobo o fato de desejar feliz aniversário para alguém. É como se dissesse: 'Hey, parabéns por não ter morrido...Ainda'.

(Maíra, tente ser otimista. A vida é bela. Ah, cala a boca, consciência. Não sei jogar o 'Jogo do Contente', conforme-se)

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Cérebro é uma coisa, apêndice é outra.

Ando percebendo que o fato de pensar(ou, ao menos, tentar) incomoda, e muito, algumas pessoas, as quais gostariam de ter o controle da situação. Acho que o mundo hoje é o que é porque sempre houveram aqueles que souberam mandar e aqueles que sempre souberam aceitar sem questionar.
Ah, como eu gostaria que as pessoas soubessem que o cérebro não é órgão vestigial.




(Um dia, me disseram que eu não falo coisa com coisa. Eu continuei a andar.)

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Corredor

Ela, sentada, espera pacientemente. Vê cada segundo escorrer pelas mãos, sem se importar com nada. Seu olhar procura algum ponto no vazio em que se fixar, esperando por aquele momento que parece jamais chegar.
As pessoas passam de lá para cá, ocupadas com suas vidas por vezes vazias, sem sequer imaginar os tormentos que passavam na cabeça daquela garota, que, calada, mirava os sapatos, como que em busca de alguma imperfeição.
Algumas vezes, alguém passava e a cumprimentava, com um sorriso plástico, mecânico. 'Melhor que não sorrisse', ela pensa. 'Melhor seria se eu não estivesse aqui, se estivesse em casa, com meus livros'. Talvez não fosse melhor ela estar em casa.
De repente, ela o vê. Aquele por quem ela se vê atraída. Aquele que ela imagina ao seu lado, falando sobre vidas comuns, sobre pessoas comuns, sobre o tempo. Sobre qualquer coisa, mas que fosse com ele.
Porém, ela tinha medo da decepção, medo de ele não passar de mais um daqueles que ela tanto condenava, que ouve músicas sem respeito, que vive a vida como se ela fosse apenas uma grande festa.


Então, ele a viu. Não sabia o porquê, mas vê-la sempre despertava algo em seu peito, um sentimento indefinido. Queria falar com ela, mas tinha medo de parecer bobo. Bobo? Sim. Não sabia como, mas sentia que poderia decepcioná-la. 'Mas que tolice, a minha', pensava. 'Não passo de mais um, quem se importa?!'. Sentia-se tolo, incapaz, fútil. Sentia que jamais teria palavras para falar com ela. Sentia que jamais poderia estar com ela, jamais seriam amigos, jamais conversariam sobre bobagens. Em sua mente, uma batalha ocorria sempre que seu olhar encontrava aqueles olhos castanhos. E mais uma vez, se foi pelo corredor. Aqueles olhares tornariam a se encontrar? Quem sabe. E continuou a caminhar de cabeça baixa, fitando os pés.


-Oi?

domingo, 13 de abril de 2008

Asneiras?

pestana diz (14:45):
nao tinha felicidade,
pestana diz (14:45):
e mesmo quando tiver,
pestana diz (14:45):
vai ser passageira..
pestana diz (14:45):
sacas?
pestana diz (14:46):
sacou, sacou?
' maíra diz (14:46):
por que?
' maíra diz (14:46):
mais fácil é ser como eu, crer que a felicidade não existe
' maíra diz (14:46):
o que existe são momentos de ausência de infelicidade
' maíra diz (14:48):
assim, a gente vive como em uma montanha russa.
' maíra diz (14:48):
com picos passageiros de felicidade
' maíra diz (14:49):
'endorfinas, serotonina, dopamina e todo o resto

domingo, 30 de março de 2008

'Oi, sou oca'

É engraçado como as pessoas pensam que sabem tudo. Todas elas, ocupadas demais em olharem para o próprio umbigo, preocupando-se em parecer mais bonitas e interessantes do que realmente são. Algumas delas devem ter na cabeça o equivalente ao número de pêlos de uma minhoca, de fato.
Dietas loucas, que muitas vezes resultam em distúrbios alimentares sérios. Obssessão pela juventude eterna, que pode causar o chamado 'não ando e sorrio ao mesmo tempo'. Algumas pessoas perderam de vez a capacidade de admirar as pequenas coisas, ver a beleza daquilo que é mais simples. Saber apreciar uma boa música, olhar para o céu (na medida do que a poluição torna possível) e enxergar alguma beleza.
Deveríamos tentar esquecer os conceitos de que beleza é um fator apenas físico, externo. Bonito é aquele que é gentil, e não o 'cara musculoso e popular'. Bonito é aquele que diz 'bom dia', que respeita, que sorri.
Mas parece que isso está fora de moda. Bom mesmo é ser atraente, ter os cabelos e corpos bonitos, rebolar até o chão, amar milhões e milhões de 'amigos', ir para festas, beber até cair, envolver-se em relacionamentos de festas, desconsiderar o valor das outras pessoas e o próprio valor.
Isso me lembra este pequeno texto, que não sei quem escreveu:
"Quer passar fome com dietas loucas só para ter o corpinho da Gisele Bündchen? Vai ficar horas dentro da academia na esperança de ficar que nem o Brad Pitt? Que tal ler todos os livros do mundo ou ainda gastar todo o seu dinheiro em coisas caras só para se passar por milionário?

Você acha mesmo que isso tudo vai te fazer mais especial? Pois te digo que nessa sociedade descartável, tudo o que é novo e excitante é superado em menos de dois pulos por algo mais novo ainda. E todo esse seu esforço para ser algo digno de publicação em capa de revista vai por água a baixo se você acreditar que o seu valor só existe dentro desses pilares.

Afinal, sempre haverá pessoas que são mais bonitas, mais ricas, mais gostosas, mais inteligentes, mais isso, mais aquilo do que você.

Então por que se preocupar tanto com essas coisas?"

Será que é tão importante assim ser belo, atraente e popular? Ser oca, mas com meu sorriso plástico arrasar corações? Bem, se isso é o necessário para ser feliz, acho que serei eternamente infeliz.

sábado, 15 de março de 2008

Parte um

Chegou, sentou-se ao meu lado. Fiz que não vi, obviamente. Se não me conhece, que não sente ao meu lado. Ponto.
Vi que tentava inutilmente formar alguma frase em sua mente que iniciasse um diálogo entre nós - e pela sua expressão, parecia descartar todas as possibilidades de 'Como o dia está bonito!' ou 'O que você acha do último escândalo do Governo?'. Limitou-se a fitar a parede do lado oposto da sala, enquanto eu observava pelo canto dos meus olhos suas mínimas reações.
Cruzou as pernas. Abriu uma revista. Olhou algumas fotos. Descruzou as pernas. Olhou mais algumas fotos. Cruzou novamente as pernas. Fingiu ler algo. Jogou a revista em um canto. Fitou a parede.
Um conflito estava ocorrendo diante dos meus olhos. Senti a agonia de alguém que não sabe o que dizer, e que precisa desesperadamente falar algo. Pareceu-me que ia explodir, ali, na minha frente. Parecia retorcer o cérebro em busca de algo para me dizer, qualquer pequena pergunta. Depois de iniciar o diálogo, tudo seria mais fácil, pensava.
Levantou, tomou um gole d'água. Sentou. Ficou a pensar. E a parede nunca havia parecido tão interessante.

- Com licença, poderia me dizer que horas são?

Depois dessa pergunta, meus dias jamais seriam os mesmos.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Assim, de passagem

Parece que foi ontem, parece que durou tanto. Foi um momento único, foi um momento estranho, foi um momento especial.
Caminhando, deixando-me levar pela vida, encontro em meio aos olhares apressados aquele que me faz parar. Parar de não pensar, e começar a enxergar no fundo daqueles encantadores e sonhadores olhos azuis um poço no qual começo a me perder.
Os olhos não estavam sós, mas pareciam que iluminavam aquele momento com um brilho singular. Ao passar apressado, o encontro dos olhares fez parecer que o que durou uma fração de segundo parecesse durar uma eternidade, fez com que a velocidade do mundo fosse reduzida apenas à daquele olhar.
Sentindo-me invadida por aquele olhar, como se meus olhos fossem apenas uma janela da minha alma pela qual eu me sentida descoberta, desprotegida, aflita por ser desvendada por um olhar desconhecido.
Olhos encantadoramente sonhadores, lunáticos, que buscavam aflitos qualquer coisa para observarem desatentos, pois o pensamento vagava por universos jamais conhecidos...
O andar curvado, o jeans meio surrado, a aparência meio desleixada dava àquele olhar ainda mais brilho e intensidade, ainda mais vida. Senti-me presa aos olhos sonhadores, senti-me dependente do seu brilho, senti-me leve, senti-me bem.
E quando a frágil ligação entre nossos olhares se desfez, vi-me novamente perdida no meu não pensar, ou melhor, perdida a pensar naqueles olhos sonhadores.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Momentos

Vejo-me aqui sentada em uma praça de alimentação qualquer. Pessoas conversam, riem e, obviamente, comem. Me encontro sozinha em uma mesa, sentindo o tempo deliciosamente escapar por entre meus dedos.
Por puro prazer, passo a olhar para todos os que estão ao meu redor.Vejo duas moças ao meu lado, ambas a falar e rir quase que sem pausa alguma. Do outro lado, uma mulher fala ao telefone, enquanto come batatas fritas. Diversos grupos de pessoas dividem-se em mesas ao meu redor, todas parecendo bastante satisfeitas com suas vidas. Mas algo chamou minha atenção de repente.
Apenas um homem magro, com a barba por fazer e olhos cansados, que traz consigo uma bolsa. Sentou e abriu a bolsa, a qual fazia um som estranho, como um tintilar de moedas. Mas sim, eram moedas! Ele passa a tirar muitas moedas, e a contá-las e formar com elas pilhas delicadamente dispostas sobre a mesa. Observo que são muitas moedas, e vejo pela cor que a maioria delas tem um pequeno valor, apenas cinco centavos. Mas pelo modo com o qual aquele homem separa as moedas, parece se tratar do mais valioso tesouro que jamais pôde existir.
De repente, outro homem juntou-se a ele e passou a ajudá-lo. 'Tim, tim, tim', faziam as moedas. E eles, silenciosamente, arrumavam-nas em suas devidas pilhas. Parecia tratar-se de um ritual sagrado. Algumas vezes, um pequeno deslize faz com que uma moeda caia. Calmamente, um deles a apanha e continua a empilhar as moedas. Durante esse tempo, não trocaram nenhuma palavra. E eu, quase em transe, observo aquele ritual. 'Tim, tim, tim', o som parece me fazer sonhar.
Porém, repentinamente, algo me desperta. Não sei o que foi ao certo, mas saio daquele momento tão singular e percebo que preciso ir para outro local. Acho que estou atrasada para o meu compromisso. Levanto, pego minha bolsa e saio. Ao passar ao lado da mesa dos concentrados homens a empilhar moedas, lanço um olhar discreto, e vejo aquelas moedas todas, como se fizessem parte de uma obra de arte. 'Tim, tim, tim', faziam as moedas.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Doces ilusões

E cá estou eu, pensando com os meus botões. É bom, de vez em quando, parar pra pensar, mesmo que a gente não saiba muito bem no que isso vai dar. E me encontro, de repente, pensando em uma conversa que tive outro dia: será que as ilusões devem fazer parte das nossas vidas?
Não falo daquelas ilusões que nos fazem perder a noção da realidade, nem daquelas que nos fazem abandonar a realidade, mas sim aquelas pequenas ilusões, aquelas onde nós podemos, por alguns instantes, realizar nossos mais secretos desejos, e figir um pouco da 'cruel realidade'.
Ilusões que às vezes podem parecer algo tão bobo para alguns, e que para nós valem tanto. Sejam amores fantásticos, pequenas realizações, desejos secretamente guardados, vontades, enfim...
Vale ressaltar, no entanto, que ilusões são boas apenas enquanto ainda temos a noção do que é real, já que de nada vale viver de ilusão.
Essas ilusões, algumas vezes, podem nos fazer querer não mais enfrentar a realidade, e nos habituar a viver em algo fantasioso. A realidade, mesmo sendo cruel e injusta algumas vezes, é necessária, pois nos faz crescer e amadurecer.

Ah, mas 'iludir-se' de vez em quando é até bom.