sexta-feira, 30 de maio de 2008

Simplicidade.

Pudera ter ela sonhos cintilantes como aquelas pequenas gotas de chuva a refletir luz no asfalto frio.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Mano velho.

Será.
É.
Foi.
Ainda lembrava os versos de Cajueiro Pequenino.

Rápido, tudo passava como uma paisagem vista através da janela do carro, cada vez com maior velocidade. "Papai, não gosto de ir rápido assim".
Estava sentada no sofá, com os braços cruzados. "Emburrada", dizia a avó. Recusou pedir desculpas. Sua primeira demonstração de orgulho.
Mamãe chegou e disse: "Tenho uma surpresa". Pensei que era um brinquedo. Era uma irmã.
Eles cantavam. Não gostava. Nem dos apelidos. Era proibido brigar, mas ninguém nunca desconfiava dos acidentes.
Sentada no muro, esperando ele passar. A avó conversava com ela, mas as palavras fugiam de seus ouvidos. O mundo existia para esperá-lo. "Um lacinho para você". Sim, ele veio.
Corria. Corria. Corria. Parecia jamais chegar, e o som a deprimia. Todos já esperavam por ela.
Criava seu mundo. Era quem queria ser, só que loira.
Eles a protegiam. Tudo mudava quando era protegida por eles. "Pingo-de-flor, que comilão". Um belo sorriso. Tão pequena, mas já tinha achado um dos amores da sua vida.
"Mais põ, mamãe, mais põ".
Finalmente havia criado coragem. Deixos os pés descalços e aventurou-se. A areia molhada. Cuidado com as pedras. "Mamãe, mamãe, formigas, tira elas!".
Alimentar as galinhas era uma das suas atividades favoritas. Gostava de pensar que aqueles seres dependiam dela, da sua vontade para comerem. Ela as tinha em suas mãos.
"Ela é uma ótima menina!". Ah, mas fingia tão bem, ela sabia.


Olhe a taxa de permutação, veja. Ah, longe, longe.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Mais da metade.

"A moça lia e enquanto a moça lia o tempo corria"

Sentia-se incompleta. Sentada, olhando o mar, via o tempo passar entre as suas mãos, ou melhor, fugir dela, escapar formando espirais pelo ar. E se não tivesse feito nada? Se fosse apenas ser mais uma entre as tantas que passam pela vida, que deixam saudades efêmeras. Deixando a vida apenas como mais uma entre tantas, um número, aquele do RG.

E se aquela fosse sua sua última tarde? O vento no rosto, a areia entre os pés, o som das folhas. A imensidão azul em frente aos seus olhos. Estaria ela vivendo os últimos momentos de sua existência?

Viver nada mais é do que supor. Supor que chegaremos em casa a salvo, supor que iremos à festa, supor que falaremos com alguém mais tarde. Se bem que para algumas suposições não basta estar no meio do caminho. Tem que haver tempo.

Queria ter escrito um livro. Tido um filho. Feito algo importante. 'Não, só mais uma no obituário'. Seria ela importante para alguém? Será que alguém iria, algum dia,lembrar do que ela havia feito, ou dito? 'Ahh, minha bisavó costumava...'. Mas não recordava o nome da avó da bisavó. Ela havia passado. Sem ela, hoje nada seria. Mas dela quase nada sabia, apenas que um dia havia vivido.

Estaria ela no começo, meio, ou fim do caminho?

sábado, 17 de maio de 2008

Placebo.

Caminhou pelo apartamento vazio. Aquele era o dia. Percebera desde que havia acordado. Olhou ao redor e viu que tudo estava exatamente como sempre estivera. Aqueles móveis, aqueles livros, aquela vida. Mas tudo iria mudar.
Foi à cozinha, tomou um copo d'água. "Repitam: incolor, inodora e insípida, muito bem!".Sempre gostou mais do copo azul, mas seu irmão insistia que era dele. "Não quero o verde, mamãe!".
Nunca tinha notado, mas havia uma pequena teia de aranhas no canto superior esquerdo da sala de estar, próximo ao quadro pintado pelo 'amigodaprimadeseuavô', tanto faz.
Tudo hoje parecia diferente. Parecia que estava percebendo coisas antes jamais vistas. Como quem as vê pela última vez.
Caminhou mais, abriu uma gaveta. Tateou à procura de algo. Ao encontrar, guardou o achado no bolso. Continuou a redescobrir o apartamento. Só que agora, o tinha.
O corredor nunca pareceu tão comprido.
Foi à janela, olhou as pessoas lá fora. "Essa sempre foi a melhor janela".
Passou os dedos pela mesa, deixando sua marca na fina camada de poeira.
"Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo."
Pegou o copo azul, seu favorito, e encheu com água. Retirou o pequeno comprimido do bolso. Havia chegado a hora.

Mas, depois, deu-se conta que era apenas placebo. E, ao perceber, já era tarde demais. Havia perdido o momento, que jamais retornaria.

domingo, 11 de maio de 2008

A garota que queria sonhar

Ela era assim, comum. Ao vê-la a caminhar lentamente pelas ruas, ninguém jamais conseguirá imaginar os tormentos que passam por sua cabeça. Com o olhar distante, provavelmente balbuciando palavras soltas, ela anda por aí, a observar aquelas pessoas que, no seu ir e vir, lembram formigas.
Ah, quisera ela poder apenas ser uma formiga. 'Viver não seria tão difícil, seria?'. Ela queria libertar-se, de alguma forma. Ela queria sonhar, apenas sonhar. Não sabia o porquê, mas ela era a menina sem sonho algum.
Então, pensou a fazer algo jamais tentado: roubar sonhos. Começou com aqueles pequenos, bobas fantasias. Roubava-os e se deliciava com os sonhos recém adquiridos: era como comer doces. Um dia, porém, cansou-se de fantasias. Queria sonhos maiores, mais intensos, melhores, de fato.
Passou, então, a buscar sonhadores, caçá-los incansavelmente, a querer seus sonhos obssessivamente. Um a um ela roubou. Um a um ela sonhou.
Ao sonhá-los, parecia que o mundo caberia em suas mãos, se quisesse. Voava pelo espaço, nadava nos mares, era rainha, era tudo o que sempre imaginou. Sonhava o que sempre quisera sonhar.
Porém, sentiu-se farta de todos aqueles sonhos. Queria sempre mais. Insatisfeita, passou a armar seu maior roubo: queria o sonho perfeito.
Dias e noites esteve a procurar, sempre falhando. Não, não eram os sonhos perfeitos, não, não aqueles. Por quase uma vida, sonhou sonhos que pareciam incompletos, infelizes, incapazes de preencher o vazio em seu peito.
Depois de muito procurar, de tanto querer, de tando desejar, ela, enfim, desistiu. Cansou de roubar sonhos. Cansou de não encontrar. Fechou os olhos e dormiu.

Ela estava voando. Nuvens fofas, estrelas cintilantes, águas límpidas, flores delicadas. Ela era o sonho. Havia encontrado o sonho perfeito.

sábado, 3 de maio de 2008

Ela e o mar.

Era isso, sem mais. Livre finalmente.
Admirou o mar, a quanto tempo não fazia isso. Palmeiras ao vento, mas, que estranho, não sentia o vento. Sabia apenas que estava agradável. Aquele parecia o momento mais feliz de todos os tempos. Parecia não sentir a areia sob seus pés.
Caminhou calmamente, deixando que seus pés mostrassem o caminho. Lembrou de quando o mar parecia assustador, de quando fugia de suas ondas, como se elas pudessem fazer algum mal. Na verdade, sempre sentiu receio quanto ao mar. Tão grande, misterioso, instável. Parecia que a qualquer momento poderia acontecer algo.
Instável. Reconhceu-se ao pensar assim. Será que era como o mar? Sempre diziam isso, que era misteriosa. Será que, enfim, havia encontrado àquele a quem deveria entregar-se?
Aproximou-se dele, como uma criança aproxima-se do seu primeiro amor. Esta era a verdade: sempre o havia amado. Sentia-se tímida. Sentia-se boba. Mas, ao pensar nele, sentia-se protegida.
Entregou-se. Ele a envolveu em um abraço, e aquela imagem ficaria para sempre na memória dela. O único abraço de amor que ela viria a receber.
A tranqüilidade, repentinamente, fora interrompida. O que aquelas pessoas estariam fazendo ali? Reconheceu algumas pessoas. 'Mamãe?'. Não conseguiam ouví-la. Parece que não a viam, que não consequiam ver que ela estava ali. Mas, espere...

Enfim, acordou.