domingo, 27 de junho de 2010

Ele.

Só de olhar já conseguia ver toda a sua profundidade. Do fundo daqueles olhos que pareciam transbordar feito o mar não conseguia enxergar nada além daquela alma nua. Ah, aqueles olhos que pareciam gritar, como se a alma gritasse por liberdade, ele que sempre fora mais do que o mundo todo, mais do que aqueles cabeça, tronco e membros lhe permitiam ser. Contemplativo, poucas palavras, muito a dizer, mas ninguém para ouvir. Os que escutavam, apenas, o julgavam louco. Ele se julgava louco, louco por adentrar no poço mais profundo de si mesmo, por escavar no fundo do peito aquelas mágoas, aquelas dores, aqueles sorrisos, aqueles beijos, aquilo tudo que ele chamava de vida, vida que parecia não caber em quatro letras, apenas, que nem quatro décadas ou quatro séculos ou milênios, quem sabe, porque esse tempo não é todo tempo do mundo para quem carrega em si o peso de um universo.
Não há tempo capaz de comportar tamanhos pensamentos, pensamentos estes que lhe eram frequentes, mas não os pensamentos de todo dia, não, pensamentos mais profundos, aqueles que assustam muitos dos que ousam rondar por perto. Porque são como um poço: alguns não se atrevem sequer a chegar perto e já pedem para que outros não o façam - pobres destes, jamais puderam escolher por si mesmos se queriam chegar ao poço; outros chegam perto, experimentando mililitros de ousadia, aquela ousadia contida de quem faz um pouco do que parece errado apenas para, mais tarde, poder sentir um pouco daquela adrenalina contida; outros, ah, os outros, são aqueles que mergulham de cabeça no poço, ou que caem nele, não se sabe ao certo como, mas o fato é que vão tão fundo tão fundo tão fundo que aquela água de sabe-se lá o que os molha, os banha, os afoga, os afaga, os permite ir rumo ao desconhecido de dentro de cada um deles.
Estes, os que mergulham verdadeiramente, são raros. Claros e límpidos como as águas do poço em que se encontram submersos. E ele era um desses, ah, reconhecia isso pelos olhos, pelo brilho de mil sóis que eles exibiam para quem quisesse ver, embora quase ninguém quisesse. Mas eu quis, eu quis e desejei ardentemente que aquele brilho me visse, mas parece que olhos tão brilhantes assim não têm tempo de olhar: apenas vêem, apenas sentem, porque sentir é difícil e consome muito. E ele sabia sentir.

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