domingo, 15 de agosto de 2010

Vertiginosamente

Andava sempre assim: olhos fixos no rumo que tomava, expressão de quem vive plenamente e de que não liga muito para essas banalidades todas. Age como se quisesse esconder segredos que nem possui, buscando definir sentimentos que não sente, o fazendo da maneira mais triste possível. Triste não: ausente. Como se tudo fosse simplesmente infeliz, mas como se nada daquilo tivesse condições de deixar uma marca sequer. Tratava tudo com a maior indiferença possível, mesmo que, intimamente, não conseguisse ser indiferente. Como se cada uma daquelas coisas friamente desprezadas fizesse um pequeno corte, e que cada vez mais o número de cortes aumentasse e aumentasse e aumentasse indefinidamente. Como se viver fosse apenas uma grande vertigem, na qual se anda sem saber onde e como será o passo seguinte, na qual apenas o fim é certo. O meio é recheado de aventuras e desventuras que mente nenhuma é capaz de desvendar.
Consultava o relógio freneticamente, era um hábito seu, o único que conseguia denunciar toda a sua insegurança e que estampava em sua testa que não era indiferente. O ato de consultar nervosamente os ponteiros de cinco em cinco minutos denunciava que buscava sempre conter o tempo, como que por meio da noção das horas pudesse vigiar aquele que é o mais cruel inimigo dos que vivem, aquele que, inevitavelmente, manipula e decide tudo.
No seu andar alheio a tudo, pensava que a vida, o tempo, as coisas são, por vezes, como bolhas de sabão: a beleza deve ser apreciada, apreciada sem tocar, sem muita precipitação, pois um toque pode fazer com que tudo acabe mais rápido do que o que deveria. Tudo tem um fim, tudo. Seja efêmero ou não, tudo um dia acaba. Mas algum ato impulsivo, alguma falta de controle, pode fazer com que tudo acabe subitamente. Como no estourar de uma bolha de sabão.
Vivia como se fosse protagonista de uma grande história, a sua história. E era, de fato. Mas, por vezes, agia como se os demais também pensassem assim. Como se observassem seus passos, seu jeito, suas manias, suas expressões e tudo que compunha aquilo que era. Mas depois vinha a frustração de saber que não era assim: que o mundo era egoísta e que, por mais que algumas vezes fosse alvo da observação de alguém (provavelmente algum desocupado), não era assim o tempo todo. Não era como esperava, não era como queria.
Cabeça recostada no travesseiro, sinal de pensamentos cada vez mais soltos, mais altos. Voava em um céu particular de devaneios, mergulhava em mares de angústias e dúvidas, tendando escavar poços mais dentro de si, tentando achar um pouquinho da essência do que era. Entorpecia-se de sonhos, embriagava-se de vida, numa vertigem sem fim.

Um comentário:

Rafael Ayala disse...

"No seu andar alheio a tudo, pensava que a vida, o tempo, as coisas são, por vezes, como bolhas de sabão: a beleza deve ser apreciada, apreciada sem tocar, sem muita precipitação, pois um toque pode fazer com que tudo acabe mais rápido do que o que deveria. Tudo tem um fim, tudo."

Vamos aproveitar tudo, então, antes qeu acabe.