sábado, 19 de dezembro de 2009

Guarda-chuva azul.

Silêncio. Os olhares já não eram os mesmos de outrora, aqueles olhares fascinados com o começo de algo tão bom. Agora, os olhos pareciam aflitos, preocupados, como se alguma coisa tivesse que ser dita, mas nenhum dos dois tinha coragem para isso.
- Lembra que era ali que você estava naquele dia?
- E você apareceu na hora certa. Você e seu guarda-chuva azul.
Mais silêncio. Sim, eles lembravam de tudo. Lembravam que, a partir do momento que ele tentou protegê-la da chuva, passaria a protegê-la de tudo mais. A chuva era apenas o princípio, ele a protegeria de todo o mundo, se fosse possível.
- Seu perfume me agradou. E, desde aquele tempo, você nunca mudou.
- Você disse que gostava. Não mudei por isso.
Primeiro o perfume, depois o sorriso. Nessa ordem, necessariamente. Mas, agora, eram os olhos dele que a chamavam, porque pareciam preocupados. Ela também devia parecer preocupada, pois ele a interrogava com o olhar, ela sentia.
- Se você vai dizer, diga logo. Não aguento mais esperar.
Dizer, dizer o que? Ele havia feito uma promessa. Prometera que era com ela que iria estar pra sempre. Que estaria com ela em qualquer momento, que as chuvas que viessem a cair seriam barradas por aquele guarda-chuva azul.
- Sabe que eu sempre vou gostar de você. É que...
- Não é mais como era, eu sei.
Ela sabia. Não queriam mentir um para o outro. Pior: não conseguiam mais mentir um para o outro, doía até mesmo pensar em fazer isso. Seria desonesto se algum dos dois o fizesse. Mais silêncio.
- Então...
- Eu quis te levar nos braços, lembra? Você que não deixou.
- Claro, eu mal te conhecia.
- E seu pé quebrado? Você não podia andar naquela chuva toda daquele jeito...
- Mas andei.
Teimosa como sempre, ela. E ele admitia: achava um charme toda aquela teimosia e o modo como ela arqueava as sobrancelhas ao argumentar.
Mais e mais e mais silêncio. A garçonete ia e vinha com seus cafés, sucos, chás. O mundo passava, e eles ali. Os pés dele se movendo nervosamente, os dedos dela tamborilando na superfície da mesa.
- Eu...
- Sabe que gosto de você. Por favor, nunca me deixe.
- ...nunca vou deixar você. Prometi, não foi?
- Mas tudo parece tão diferente agora. Você parece estar aqui mais por obrigação do que por vontade.
- Eu nunca faria isso, e você sabe. Seria te magoar ainda mais, coisa que eu jamais faria.
- É que...
- Vem.
O dinheiro ficou em cima da mesa - e a garçonete achou muito generosa aquela gorjeta toda. A chuva começava a cair, fininha, leve. E o guarda-chuva azul ficou recostado na cadeira, esquecido. Hoje, eles queriam sentir a água lavar suas almas.

Um comentário:

Rafael Ayala disse...

Poxa, e tu não gostou desse texto?
Imagine os que tu gosta, viu?
Porque esse eu achei muito bom, de verdade, mesmo!

"Lembravam que, a partir do momento que ele tentou protegê-la da chuva, passaria a protegê-la de tudo mais. A chuva era apenas o princípio, ele a protegeria de todo o mundo, se fosse possível."

Caramba, esse texto já é parte da série "textos que eu gostaria de ter escrito", sim, tenha certeza.

E agora eu quero mais textos (exigente, né?).

Até depois.
=]