quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Encontro

Caminhava apressada, tantos compromissos, os papéis reunidos na pasta apertada contra o peito, só não mais apertada do que o próprio coração. Ai, tanto por fazer, tinha sempre a impressão de que estava tudo pela metade. A rua movimentada, mas o local que tinha que ir era tão pertinho, decidiu ir andando - ah, se arrependimento matasse...
Não conseguia definir rostos, só passos e mais passos, alguns lentos que a irritavam, alguns rápidos demais que a irritavam mais ainda. Ia como quem não sente a vida, quem não pensa na ida, quem só quer chegar. Sim, chegar, era isso que ela queria até que, ai, não! Papéis espalhados voavam ao seu redor, espalhavam-se pelo chão, a moça também no chão pensava "céus, como sou desastrada!", e era mesmo, se não fosse, não estaria andando tão apressada, tão avoada, teria visto ao menos o buraco no qual prendera o pé, ah, como não vira aquilo? Dez minutos, dez minutos!
Então, olhou para cima, o que está feito, está feito, o jeito é correr mais pra chegar com o mínimo de atraso possível, até que, espere! Ah, ela não lembrava mais nem para onde ia, pois o reflexo do sol naqueles fios de cabelo ruivo a cegavam, mas era uma cegueira na qual ela permaneceria para sempre, se pudesse. Educado, ele a tomou pela mão, ainda a ajudou a arrumar alguns dos papéis teimosos que insistiam em fugir. Perguntou se ela estava bem, e ela quase respondeu "sim, nunca me senti tão bem na vida", mas limitou-se a confirmar com a cabeça, enquanto fingia organizar os papéis. E ele a olhava como quem vê um coração apertado, como se sentisse que aquela pressa toda tinha um motivo a mais, mas, para não parecer intrometido, nada disse, apenas ajudou aquela moça tão encantadoramente desastrada, tão bela, apesar de tão apressada.
Ela teria ficado a vida interia ali, esquecida de tudo o que tinha que fazer. Ele não largaria a mão dela jamais, se fosse dada a ele essa chance.
- Muito obrigada por me ajudar, mas estou com pressa, tenho que ir.
- Ah, por nada, não precisa agradecer.
E então ela foi, sabendo que jamais esqueceria aquela mão firme, mas delicada, e aqueles charmosos cabelos ruivos.
"E pela lei natural dos encontros
eu deixo e recebo um tanto"
Ele cantarolou baixinho.



- Você está atrasada, cinco minutos.
(ah, se você soubesse que ainda nem estou aqui, que acho que jamais estarei aqui, que meu lugar é ao lado do charmoso ruivo que deve estar em alguma rua por aí, e eu talvez jamais o veja novamente...)
- Desculpe, é que houve um contratempo.

4 comentários:

Hilário Ferreira disse...

Muitos (a) lêem,mas talvez poucos se manifestem. O que seriam dos réus sem o benefício da dúvida? O que seria da curiosidade sem o benefício do silêncio?

Anônimo disse...

Texto bonito.. continua postando ae! abç

MAGALHÃES, Vini disse...

Meu, muito legal o jeito com o qual vc começa o texto, todo apavorado, com pressa, esbaforido e acaba tão lenta e delicadamente. Curti muito isso, essa inversão. Deixou o texto muito mais gostoso.

Ai, ai... Contratempos ^^


Beeijos

Rafael Ayala disse...

Poxa, tempos sem vir por aqui, mas quando eu chego e me deparo com esse texto... ê, que beleza!

Eu adoro esses encontros e desencontros, e gostei da canção cantarolada, que é bem verdade...

Adorei o texto, de verdade, e, exigente e chato, já fico esperando por mais.

Beeijos!
=]