sexta-feira, 2 de abril de 2010

Subitamente

Ela, sentada em mais um ônibus dos milhões de ônibus do mundo, do universo, vivendo mais um dia daqueles milhões de dias de vida que já foram vividos por outras milhões de pessoas que já viveram, que viviam ou que iriam viver, ainda. Cabeça recostada na janela, ela existia, tentando viver. Será que vivia? Isso sempre a atormentava. Preferia dizer que existia em alguns momentos, vivia em outros, e naquele momento ela apenas existia. Mas ele a fez pensar que, naquele momento, vivia. Ele esperava, como todos fazem. Mas parecia não esperar apenas a condução que o levaria para casa, para a escola, para o trabalho, não, ele parecia esperar algo que o fizesse viver, mudar, ele que parecia esperar mais, bem mais, sabe-se lá de quê ou de quem. E ela o viu, ele, ali, parece que aquele local era realmente o ideal para encontrá-lo: se fosse em outro lugar, nunca o ar aparentemente desinteressado, alheio, sonhador, que seja, teria sido percebido pelos olhos da moça, olhos que agora brilhavam, cheios de vontade de serem notados por aqueles outros olhos que fitavam o infinito. "Vem cá, sobe nesse ônibus, senta aqui ao meu lado", ela quase disse. Desejava que ele subisse naquele mesmo ônibus, seria aquela linha que iria unir as linhas das vidas dos dois? Não sabia, apenas desejava que ele mostrasse a ela que tudo o que se passava por baixo daqueles cabelos castanhos, bagunçados por conta do vento, era verdade, que ele era realmente como ela pensava. Mas ele não ia subir, ela sabia. O garoto e seus cachos iriam ficar ali, esperando algo que não era ela. Teve, então, vontade de descer e dizer "entra na minha vida, nem que por cinco minutos". Sem que ela percebesse, ele já havia feito isso, já era parte dela, mesmo que desse jeito assim, solto, como quem não consegue se encaixar na banalidade que era aquele momento, aquilo tudo, aqueles pensamentos soltos da garota na janela.

2 comentários:

Hilário Ferreira disse...

Dentre tantos blogs, dentre tantos textos, dentre tantas histórias, dentre tantas coincidências, dentre tantas palavras... Algumas probabilidades deveriam ser medidas pelo infinito, exceto quando algumas linhas (de ônibus, de textos) unem mundos, vidas, histórias...

Hilário Ferreira disse...

Um pouco de medo dessa variante, acho que por não acreditar em muitas verdades...