sexta-feira, 4 de julho de 2008

De amor.

Odeio gatos, comentou com a esposa ao ver um felino em um daqueles programas que fazem com que as palavras trocadas durante o jantar fossem poucas.
Depois, repousou a cabeça no travesseiro e dormiu.

Caminhava apressado, as ruas abarrotadas do centro da cidade o obrigavam a isso - ao menos assim ele pensava. Mal sabia que assim caminhava para compensar o ritmo descompassado do próprio coração - que coração?
No seu não pensar cotidiano, de repente, foi surpreendido: parecia estar sendo seguido, sentia isso, sentia estar recebendo mais atenção do que realmente deveria. Foi então que o viu.
Olhos profundamente tristes, em tom de constante e inquietante súplica. Sentiu a repulsa tomar conta dele, o que atraía aquele animal, meu Deus? Animal esse que rompia o frágil equilíbrio entre o amor recebido e o amor cedido.
Sempre amara e fora amado. Amava a quem o amava, era só. Nunca havia amado alguém sem ter sido amado em troca. E nunca antes havia recebido amor gratuitamente. Sentia-se desesperado.
O gato, magro, sujo, dava a ele um amor nunca antes dado. Sentia não estar apenas sendo observado ou seguido pelo gato, mas podia sentir o amor que brotava espontaneamente dos olhos da pequena criatura. Fora escolhido para ser amado.
De repente, apressou-se. Caminhava mais rápido, mas ainda assim podia ouvir os leves passos de um corpo frágil. Sentia aquele olhar, parecia estar possuído pelas súplicas desesperadas.
Tentou, em vão, livrar-se daquele amor, daquele sentimento irritantemente puro, simples.
Saciou a fome e a sede do gato, mas nada conseguia saciar o desejo de amar do pequeno animal. Como tudo "é o que tem de acontecer", aquele felino parecia ser para amá-lo.
Olhava o bichano como se tal constatação o ferisse, e feria. Estava sentindo o peso de ser amado. Mas amor com amor não se paga.
Levou-o consigo, para pagar-lhe o amor. Mesmo com todos os protestos da esposa, o fez um filho, mas um filho que não amava, a quem apenas pagava o amor recebido com comida, cuidados, mas nunca amor.
Com o passar do tempo, foi descobrindo as peculiaridades do bichano e deixando-se descobrir por ele. Já acordava sentindo o toque macio de seus pêlos sob os pés, em um ritual cumprido rigorosamente.
Porém, em uma manhã, não o sentiu. Procurou-o, aflito, mas não conseguiu entontrá-lo. Correu, desesperado, por todo o apartamento, onde, meu Deus, onde? Foi apressado até o local onde pela primeira vez se sentira amado, e lá o viu. O corpo frio, aquilo que era apenas o vazio do que um dia o havia amado.
E o frágil equilíbrio estava mais uma vez desfeito, pois agora era ele quem amava gratuitamente.

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