quarta-feira, 9 de julho de 2008

Pipas

Engolia-o com ferocidade. Sentia-se sufocado com as verdades da vida, querendo correr daquilo que insiste em perseguí-lo, memórias de coisas que ainda não viveu e que jamais quer viver.
Percebe que não é mais menino, menino que corre despreocupado atrás de motivos para viver, que corre atrás de pipas, simplesmente por pura diversão, vendo-os deliciosamente escorrer por entre meus dedos, aquele papel colorido pelo qual os raios de sol pareciam ainda mais belos, e o suor salgado da doce vida escorria pelo seu rosto. A terra entre seus dedos o parecia impulsionar para o ar, sentia-se leve, flutuar era apenas uma questão de tempo.
Ah, pipas que hoje insiste em perseguir, mas elas fogem não mais com a fragilidade, mas sim com a velocidade do inalcançável, a maldade do inatingível, corre atrás das próprias pipas, aquelas que faz mas manda embora. Não possui mas a vivacidade do menino que outrora fora, parece ter os pés acorrentados ao chão duro.
Tudo parecia ao alcance das mãos quando era menino, magro, a leveza do corpo refletindo a leveza da própria alma. Tão leve, tudo parecia tão simples, como um sonho sem fim, como uma realidade mutável e facilmente selecionável. Queria ser, podia ser, seria.
Era? Não. Pareceu abandonar tudo aquilo, toda aquela alegria sabe-se lá quando, sabia apenas que não a tinha mais. Olhava o mundo admirado com a própria incapacidade. Os dias cada vez mais vazios, sem aquela cor que outrora tivera.
Sentia o suor amargo.

Corria, corria, corria, aquelas pipas, voltem!, dizia, queria alcançá-las, queria possuí-las, não!, era como se a chance de ser feliz fosse embora com o papel colorido. Ela, de fato, ia embora. Chorava, chorava, menino levado a chorar sozinho, contrariando ao que o pai sempre dizia. Lágrimas salgadas, o peito amargurado pelo que não conseguira atingir, e zombavam dele, eram cruéis provas da fraqueza, mostrando o quão imprestável era. Correntes pesadas em seus pés, aquele barulho da incapacidade, o prendiam, o torturavam, o machucavam, não era mais um menino, era um homem, mas a alma de menino brotara em seu peito, em seu peito agora estava em conflito com o ceticismo da idade que agora possuía. Sentia os pés livres, mas por que não consegua alcançá-las? As correntes não estavam mas em seus pés, mas sim em seu coração, esse coração, coração que aos poucos morria, definhava, precisava daquele sentido que havia perdido. Doce fragilidade e inocência, pureza e sonho que perdera, nunca mais vindo a recuperar. Como doía, tudo aquilo, aquela trágica nostalgia, não, queria mudar, não podia, não assim, não queria viver assim, não mais.
Grito.

O suor o banhava. Abriu abruptamente os olhos. Fitou o teto. Já passou, já passou. Só que agora não tinha mais o quarto dos pais para ir.

Nenhum comentário: