segunda-feira, 14 de julho de 2008

Laço

O som dos sapatos evidenciavam seu nervosismo. Ela sabia que não estava conseguindo conter as próprias ações.
Aquele tamborilar de dedos, como quem espera algo que não sabe se deve vir, como quem espera algo que não sabe o que é, que quer que algo ocorra, mesmo sem ter certeza do que se trata.
Já havia consultado o pequenino relógio de pulso dourado, gostava tanto dele, havia recebido das mãos da avó, ela o havia comprado na mais bela vigem que fizera, ah, minha filha, foi tão lindo...
Era a única lembrança que possuía do seu passado, era a única que realmente valia algo, ela achava que sim.
Sentada ali, achava que a vida não passava de uma efemeridade que por vezes não valia à pena ser vivida. Apenas apreciar viverem era sua presente ocupação, e merecia um prêmio, pois até agora não havia pensado em qualquer comentário ferino como os que fazia com freqüência. Estava aprendendo a ser mais reservada.
Essa foi uma das lições que aprendera a duras penas, mas desse passado não havia mais nada nela, ela era apenas o hoje e o que viesse depois. O que fora, agora, não mais importava, pois quem muda, muda. Resquícios da existência passada eram inadmissíveis, e não queria torturar-se ainda mais.
Tinha uma angústia no peito, e a sensação de que um buraquinho estava se formando logo abaixo do salto daquele que já fora seu mais belo scarpin, e que hoje era o único.
Parecia não chegar nunca, os dedos já estavam roxos de frio, e as unhas cobertas por uma camada descascada de esmalte vermelho, que cada vez estava mais desgastada pelo tamborilar frenético, ou até mesmo pelo descontrole momentâneo, quando a mão era levada à boca em um movimento impulsivo.
Cinco e trinta e cinco. Ela achava que de nada mais adiantava esperar, pra quê, se ele não vem.
O scarpin, de repente, parou. Os dedos agora vacilavam ao tentar tamborilar, descrevendo um movimento livre, solto pelo ar.
Os olhos dela eram doces como os de uma criança, úmidos pelas lágrimas de alegria. Ele estava ali.
Primeiro, não quis revelar-se, mas ela conhecia os sinais de sua aproximação. Já sentia seu toque que a fazia corar.
Então, ele a possuiu, iluminou seu rosto, trouxe calor ao seu corpo. E os dois tornaram-se um só.

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